
O Supremo Tribunal Federal (STF) ouvirá hoje, em audiência virtual, as testemunhas de defesa indicadas pelo ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Augusto Heleno, acusado de integrar o chamado "núcleo 1" da tentativa de golpe de Estado. Entre as 10 testemunhas está o ex-ministro da Saúde de Bolsonaro Marcelo Queiroga. A audiência terá início às 15h. Durante a semana, estão programados 51 depoimentos de testemunhas. Destacam-se os ex-ministros: Paulo Guedes (Economia); Adolfo Sachsida (Minas e Energia); Ciro Nogueira (Casa Civil), atual senador do PP pelo Piauí; e Eduardo Pazuello (Saúde), atual deputado do PL pelo Rio de Janeiro. Também serão ouvidos o governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
A última semana foi marcada por tensão no STF com a oitiva e o julgamento da denúncia contra o núcleo 3, que planejava executar a operação Punhal Verde e Amarelo, assassinando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes. Durante as audiências, contradições nos depoimentos elevaram a temperatura. O ex-comandante do Exército Freire Gomes voltou atrás e disse que não deu voz de prisão a Bolsonaro durante uma reunião que discutia a suposta minuta do golpe, conforme havia dito à Polícia Federal. "A testemunha não pode omitir o que sabe, se mentiu na polícia, tem que dizer que mentiu na polícia, não pode, perante o STF, falar que não lembra", reagiu Moraes. Já o ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB) Carlos Baptista Júnior confirmou que participou da reunião e que Freire Gomes disse a Bolsonaro que teria que prender o ex-presidente caso fosse adiante com o golpe.
Baptista confirmou ainda que o ex-comandante da Marinha Almir Garnier colocou suas tropas à disposição do presidente. Por sua vez, o senador e ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS), também testemunha, desmentiu o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, réu colaborador, e disse desconhecer qualquer plano golpista. As tensões chegaram ao auge no depoimento do ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo, chamado pela defesa de Garnier. Durante a oitiva, Aldo se recusou a responder de forma objetiva se o comandante poderia mobilizar tropas sozinho, e ironizou: "Quando alguém diz 'estou frito', não significa que esteja numa frigideira".
Moraes, por sua vez, criticou a lição de português e reforçou o questionamento, mas foi recebido com nova ironia e acusação de censura. Diante da insistência, Moraes ameaçou prendê-lo por desacato. Também chamou atenção a dificuldade do procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, em fazer perguntas objetivas. Durante a oitiva de Rebelo, ao perceber que havia cometido o erro de fazer uma pergunta subjetiva, Gonet, com a mão na boca, comentou: "Fiz uma cagada agora", mas o microfone ainda estava ligado.
Advogados comentam
Os advogados de defesa Jeffrey Chiquini e Renato Martins, dos réus do núcleo 3 Rodrigo Bezerra de Azevedo e Rafael Martins de Oliveira, respectivamente, comentaram ao Correio o andamento das audiências de testemunhas. O tenente-coronel Rodrigo é acusado de monitorar o ministro Alexandre de Moraes nas proximidades da casa do magistrado, em dezembro de 2024. Chiquini disse que chamou testemunhas que viram Rodrigo em outros locais, longe da casa de Moraes. "Nas datas em que a Polícia Federal aponta o monitoramento de autoridades, meu cliente estava ou na Espanha, ou no quartel. Nossas testemunhas são todas oculares, que vão contribuir diretamente para elucidar os fatos", comentou, acrescentando ter ainda um "vasto conjunto probatório" para provar a inocência do seu cliente.
Ele também criticou a decisão da Corte de não permitir a divulgação de imagens e vídeos, dizendo que não há justificativa. "Entendo que deveria haver total o e publicidade. Todo o ato istrativo deve ser público — o sigilo é a exceção", comentou. Já Martins disse ter acompanhado pouco sobre as audiências, mas concluiu que "existe uma condução tendenciosa pelo relator (Moraes)". "Isso me causa preocupação, pois fica visível a preocupação em produzir um resultado (condenação)", disse.
Para o advogado e cientista político Nauê Bernardo, a postura adotada por Gonet — de fazer poucas perguntas e ter dificuldade em elaborar perguntas objetivas — é de que "os depoimentos de diversas testemunhas podem acabar não tendo utilidade dentro da linha construída para demonstrar a existência dos elementos capazes de levar à condenação". Já sobre as contradições entre os depoimentos, Nauê adota cautela. "Isso vai depender muito dos elementos a serem trazidos pelas testemunhas arroladas pelas partes. Até o presente momento, me parece ter havido poucas surpresas", afirmou.
Em sua visão, o embate entre defesa e relator também faz parte da dinâmica do processo penal. "A defesa está em seu papel de ser combativa e questionar, dentro do rito legal, os atos do julgador. É exatamente o que se espera das defesas em casos complexos". Os advogados de defesa têm sinalizado a linha estratégica que estão adotando. As testemunhas arroladas para o julgamento são em sua maioria de antecedentes, ou seja, não presenciaram fatos, mas conhecem o réu de longa data e podem corroborar com o argumento da defesa de se apoiar na conduta ética profissional dos acusados.