
Especialistas concordam que a perda de habitat e a fragmentação florestal prejudicam a biodiversidade no espaço verde que resta. No entanto, a discussão sobre qual abordagem é mais eficaz — preservar várias áreas ou espaços maiores e contínuos — ainda persiste. Um novo estudo, conduzido por Thiago Gonçalves-Souza, pesquisador brasileiro sobre mudanças globais e resiliência de habitats, e cientista da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, traz novas conclusões para essa questão, que está em debate há anos.
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Conforme a pesquisa, preservar grandes áreas contínuas é o mais eficaz. "A relevância deste estudo é imensa, especialmente no contexto atual de crise climática e perda acelerada de biodiversidade. Além de impactar a vida selvagem, a fragmentação reduz a capacidade das paisagens de estocar carbono, agravando os efeitos das mudanças climáticas", detalhou ao Correio Gonçalves-Souza.
O estudo foi realizado pela colaboração de pesquisadores da Universidade de Michigan, Universidade Estadual de Michigan e dez instituições brasileiras, entre elas Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Para o trabalho, a equipe analisou 4.006 espécies de vertebrados, invertebrados e plantas em 37 locais ao redor do mundo.
O objetivo foi comparar a biodiversidade em áreas contínuas e fragmentadas. Os pesquisadores notaram que, em média, paisagens fragmentadas abrigam 13,6% menos espécies ao nível de fragmento e 12,1% menos espécies ao nível de paisagem, quando comparadas a áreas grandes, contínuas e preservadas. Além disso, o estudo indicou que nesses locais segmentados, predominam espécies generalistas — aquelas capazes de sobreviver em uma variedade de ambientes.
Diversidade
Os cientistas analisaram ainda três tipos de diversidade nessas paisagens: alfa, beta e gama. A alfa se refere ao número de espécies em um fragmento específico, enquanto a diversidade beta mede as diferenças na composição de espécies entre dois locais distintos. Já a diversidade gama avalia a biodiversidade total de uma paisagem.
O líder do estudo exemplificou que, ao ar por áreas agrícolas no Norte do Espírito Santo, é possível observar pequenos fragmentos de floresta entre plantações de cana-de-açúcar ou pastagens. Cada pedaço abriga algumas espécies de aves — diversidade alfa —, mas a composição dessas espécies pode variar entre os fragmentos — diversidade beta. Já a biodiversidade total, que inclui tanto os fragmentos quanto florestas contínuas, representa a diversidade gama da região.
"Uma das maiores dificuldades que enfrentamos foi a comparação direta entre paisagens fragmentadas e contínuas, já que estudos anteriores não consideravam adequadamente as diferenças na composição de espécies e na escala de análise", destacou Thiago Gonçalves-Souza.
Ao corrigir as diferenças na amostragem entre as paisagens, os cientistas confirmaram que a fragmentação reduz o número de espécies em todos os grupos taxonômicos — as categorias que dividem os seres vivos. Apesar de haver um aumento na diversidade beta nas áreas fragmentadas, isso não compensa a perda de biodiversidade.
Revelações
Para Felipe Melo, professor de ecologia aplicada na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coautor do estudo, nesse artigo, os cientistas fizeram conquistas relevantes: uma relacionada à abordagem dos animais e plantas, outra sobre a análise aplicada "A primeira foi compilar dados de bichos e plantas em diferentes paisagens ao redor do mundo. A segunda foi usar uma abordagem analítica moderna que permitiu controlar fatores de confusão, especialmente a distância entre fragmentos."
De acordo com o cientista, quanto mais distantes duas áreas, "maior é a probabilidade de espécies diferentes habitarem esses locais. Isso fazia com que somassem muitas pequenas áreas, mais espécies eram registradas, no entanto quando removemos esse efeito da distância, é melhor ficar com uma área grande. Portanto, não há o que discutir mais, áreas maiores são melhores para a biodiversidade".
Conforme Marco Moraes, divulgador científico e autor do livro Planeta Hostil, não há dúvida que a fragmentação é ruim, principalmente para as espécies maiores que, diferentemente de insetos, aves e até plantas, tem mais dificuldade de superar os espaços entre os fragmentos de matas. "Além de tentar preservar áreas extensas, o que nem sempre é viável, deve ser dada especial atenção à conexão entre os fragmentos. A criação de corredores de fauna e flora que permitam a comunicação entre os fragmentos de mata já traz uma enorme contribuição à preservação da biodiversidade."
Como próximos os, os cientistas acreditam que a comunidade de conservação deve focar menos no debate entre áreas contínuas ou fragmentadas e mais na restauração de habitats degradados." Em muitos países, onde grandes florestas intactas já são raras, a restauração florestal emerge como uma estratégia essencial para preservar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos", completou Gonçalves-Souza.