Justiça

Reclamações contra decisões da Justiça do Trabalho disparam no STF

De 2018 a 2024, o número de reclamações ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisões da Justiça do Trabalho envolvendo casos de pejotização aumentou cerca de 1.885%. O salto ocorreu após a reforma trabalhista de 2017

Em 2019, houve 79 registros; em 2020, o número caiu para 46; em 2021, subiu para 54; e nos anos seguintes ganhou força, com 130 reclamações em 2022 e 484 em 2023

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Em 2019, houve 79 registros; em 2020, o número caiu para 46; em 2021, subiu para 54; e nos anos seguintes ganhou força, com 130 reclamações em 2022 e 484 em 2023 -

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu 62 reclamações (Rcl) contra decisões da Justiça do Trabalho envolvendo casos de pejotização. Já em 2024, foram 1.231 novas autuações, um crescimento de mais de 1.885%. Até o dia 12 de maio de 2025, a Corte havia registrado 394 reclamações.

Em 2019, houve 79 registros; em 2020, o número caiu para 46; em 2021, subiu para 54; e nos anos seguintes ganhou força, com 130 reclamações em 2022 e 484 em 2023.

Os dados, obtidos pelo Correio via Lei de o à Informação (Lei 12.527/2011), revelam que, desde 2018, o STF recebeu ao menos 2.480 reclamações (Rcl) que contestam decisões da Justiça do Trabalho sobre a existência ou não de fraude em contratos de prestação de serviços, a chamada pejotização. Desse total, 522 seguem em tramitação e 1.958 já foram encerradas.

Para fazer o recorte, foram solicitados dados referentes aos assuntos principais mencionados no Tema 1389 da repercussão geral, que trata da compatibilidade entre decisões da Justiça do Trabalho e precedentes do Supremo sobre terceirização e vínculos civis ou comerciais. Ao todo, foram protocolados 6.209 processos relacionados à pejotização e terceirização no STF desde 2018.

Desse universo, aproximadamente 6.021 (96%) são reclamações contra decisões da Justiça do Trabalho. Os demais 188 incluem pedidos de suspensão de processos, conflitos de competência e mandados de segurança.

Além das reclamações diretamente ligadas à pejotização, ao menos outras 3.541 tratam de terceirização e outros temas relacionados a decisões proferidas pela Justiça do Trabalho. Dessas, 1.645 reclamações alegam descumprimento de precedentes do Supremo por parte da Justiça do Trabalho sobre terceirização, como os estabelecidos na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, transitada em julgado em 2021, no Recurso Extraordinário (RE) 958.252 e no Tema 725, ambos transitados em julgado no ano ado.

Embora as reclamações que contestam decisões da Justiça do Trabalho sobre pejotização tenham crescido após a reforma trabalhista, elas não são fruto da reforma, avalia o advogado trabalhista Alfredo Goes. “São, na verdade, resultado do tratamento dos precedentes pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que tem ampliado o alcance, especialmente no que diz respeito à terceirização”.

Com isso, “ampliou-se a matéria para autorizar, além da terceirização de atividades-fim, a possibilidade de qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas”, explicou o especialista à reportagem.

A terceirização acontece quando uma empresa faz um contrato comercial para que uma outra empresa forneça a mão de obra, e a atividade a ser desempenhada por esse trabalhador pode ser em qualquer área da empresa, explicou a advogada trabalhista Juliana Mendonça. “Diferentemente da pejotização que é uma fraude trabalhista”, comentou.

Na pejotização, “a empresa tomadora contrata diretamente o trabalhador com todos os requisitos do vínculo de emprego, especialmente subordinação, habitualidade e pessoalidade, porém, exige que ele abra um MEI para prestar o serviço ou faz apenas uma contrato de parceria/autônomo”, relatou. Com isso, “em ambos os casos, se caracterizada a fraude, prevista no art. 9º da CLT, é plenamente possível o reconhecimento do vínculo de emprego”.

O aumento das reclamações levou o ministro Gilmar Mendes a determinar a suspensão, em abril deste ano, de todos os processos que versam sobre os temas no país, a fim de definir uma regra geral a respeito da pejotização sob a luz do entendimento estabelecido pela Corte a respeito da terceirização.

“Antes, os processos tratavam apenas da terceirização. Agora, o foco ou a ser a pejotização. Como ainda não há um entendimento fixado pelo Supremo sobre o tema, o ministro vai levar esse debate ao Plenário, que deverá firmar posição no ARE 1.532.603, que trata especificamente da pejotização”, informou à reportagem a assessoria do ministro do STF.

Para Juliana, a suspensão causa ainda mais insegurança jurídica, “visto que quem tem condições de avaliar se o caso é ou não de pejotização é a justiça do trabalho, que é uma justiça especializada que julga todas as formas de trabalho e não apenas a relação de emprego”, comentou. “O que temos visto pelos julgamentos recentes é que a decisão da Corte vai direcionar para a flexibilização dos direitos trabalhistas”, avaliou a especialista.

De acordo com Goes, as teses que vêm sendo defendidas pela Corte sobre os temas servem de base para os ministros do Supremo decidirem matérias antes restritas aos Tribunais do Trabalho, como a ocorrência de vínculo de emprego e a ocorrência de fraude em contratos entre empresas contratantes e empregados que são contratados como pessoa jurídica, no âmbito das Reclamações Constitucionais.

“Como as decisões do STF têm prevalência sobre a de todos os tribunais, virou rotina utilizar as Reclamações como um novo recurso para obter a cassação de decisões que reconheciam o vínculo”, disse.

Diferente de Juliana, Goes acredita que “a suspensão dos processos sobre pejotização permite ao STF tempo para estudar, pautar a matéria e definir uma tese obrigatória para evitar decisões divergentes nos tribunais inferiores enquanto o tema não é pacificado. Considero a medida importante, desde que não haja demora excessiva”.

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Na avaliação do advogado, é possível identificar alguns sinais de como será o julgamento. “Há diferentes posicionamentos entre os ministros”, comentou. “Os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes tendem a aceitar a terceirização/pejotização irrestrita”. Já os ministros Flávio Dino e Edson Fachin “não aceitam essa forma de contratação por entenderem que cabe aos Tribunais do Trabalho avaliar se houve fraude, assim como apontam ser de interesse público o reconhecimento do vínculo de emprego”.

O ministro Luís Roberto Barroso, comentou Goes, já decidiu que profissionais com capacidade de tomar decisões esclarecidas sobre seus direitos, como advogados, arquitetos e médicos, podem ser enquadrados em critérios diferenciados, considerando o vínculo de emprego como direito disponível. “Vejo que o STF pode criar critérios objetivos para validar a pejotização, como exigência de diploma de nível superior aliada ou não ao recebimento mínimo de determinada remuneração, a exemplo de dois a três salários-mínimos, atuando quase como legislador. Os próximos meses definirão o futuro das relações de trabalho no Brasil.”

postado em 03/06/2025 17:06 / atualizado em 03/06/2025 17:08
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