Julgamento

Ex-diretor da Abin afirma ao STF que alertou governo federal sobre riscos no 8/1

Saulo Moura da Cunha diz que Abin emitiu informes a partir do dia 2 de janeiro de 2023, mas contato com segurança do DF só foi feito na véspera dos ataques

Ex-diretor-adjunto da Abin, Saulo Moura da Cunha, deu depoimento no STF como testemunha do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. -  (crédito: Lula Marques/Agência Brasil)
Ex-diretor-adjunto da Abin, Saulo Moura da Cunha, deu depoimento no STF como testemunha do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. - (crédito: Lula Marques/Agência Brasil)

Em depoimento nesta terça-feira (27), o ex-diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Saulo Moura da Cunha, afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a agência emitiu diversos alertas sobre as manifestações golpistas que culminaram nos ataques de 8 de janeiro de 2023. Os alertas começaram a ser enviados já no dia 2 daquele mês, mas segundo ele, o contato com a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) só ocorreu na noite do dia 7 de janeiro.


Moura foi ouvido como testemunha do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Ele foi nomeado para o cargo na Abin na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), onde ficou até março de 2023. Em abril, foi nomeado para um cargo no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), mas foi exonerado em junho daquele ano. Moura foi ouvido em agosto de 2023, no Senado, durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (MI) sobre o 8/1.


Segundo o ex-diretor, os alertas de inteligência da Abin foram encaminhados ao Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), que inclui órgãos como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), centros de inteligência das Forças Armadas, Ministério da Defesa, Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e ANTT.


“Até o dia 5 [de janeiro], a adesão [às manifestações] era relativamente baixa, mas a partir dessa data começaram a aparecer convocações para ações violentas em grupos extremistas”, relatou. Perguntado se os informes foram enviados à Secretaria de Segurança do DF, Moura afirmou que não houve esse encaminhamento até o dia 7.


“Nossa interface era federal. A Abin não tem canal direto com a SSP-DF. Só no dia 7 pedi que meu adjunto entrasse em contato com a subsecretária de inteligência do DF, a Dra. Marília”, declarou. Naquela noite, a SSP-DF criou o grupo virtual CISPE (Célula Integrada de Inteligência e Segurança Pública para Manifestações), com representantes de cerca de 20 órgãos. A Abin ou então a compartilhar os alertas por esse canal.


Ao responder sobre eventual contato com Anderson Torres, nessa época secretário de Segurança do DF, Moura afirmou que o contato foi apenas com a subsecretaria de inteligência. "A Abin não atua no nível de secretário de Estado”. Ele também relatou que a agência monitorava os acampamentos golpistas, especialmente o instalado em frente ao Quartel-General do Exército, e que chegou a elaborar relatórios durante o governo de transição.


“Encaminhamos documentos sobre a presença de pessoas com discursos extremistas ao GSI, à Polícia Federal e aos representantes do governo de transição”, disse. Um dos principais pontos do depoimento foi a menção ao alerta emitido pela Abin em 6 de janeiro, às 19h40, que indicava possibilidade de “ações violentas contra edifícios públicos e autoridades”. O informe também mencionava a presença de pessoas armadas.


Mesmo assim, segundo ele, os analistas de inteligência ainda tinham dúvidas se a manifestação se dirigiria à Esplanada dos Ministérios ou apenas reforçaria os acampamentos. “Tivemos o que chamamos de estado quase de certeza na manhã do dia 8, após assembleia dos acampados que decidiu pela marcha às 13h”, relatou.


O ex-diretor afirmou que a partir da noite do dia 7 houve confirmação do volume de ônibus chegando a Brasília. “Às 21h já havia 25 ônibus na Granja do Torto, e no domingo pela manhã já somavam mais de 100”, disse. Estimativas internas da Abin apontavam cerca de 5 mil pessoas que se deslocavam de ônibus para a capital federal.

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Questionado pelo advogado de defesa se havia clareza sobre o porte da manifestação no dia 6, Moura respondeu que a agência ainda não tinha informações concretas naquele dia. “A PRF não ou dados e só a ANTT, com registros oficiais de ônibus, começou a informar no dia 7. Mais do que o número, era preciso avaliar o ânimo dos manifestantes. E ele era claramente radicalizado”, disse.


O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, também questionou a testemunha sobre o destino dos alertas produzidos. O ex-diretor afirmou que a Abin não tinha como saber se o Ministério da Justiça reou as informações à SSP-DF. “Na cadeia de inteligência, após difundirmos os documentos, perdemos o controle. Nosso dever era informar os órgãos competentes, como o GSI e o próprio Ministério da Justiça”, afirmou.

postado em 27/05/2025 13:45 / atualizado em 27/05/2025 13:56
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