Inclusão

STJ promove debate sobre autismo e justiça: "Avaliação biopsicossocial é indispensável"

Com um olhar sobre a jurisprudência do tribunal em casos específicos de pessoas com TEA, simpósio abordou a necessidade da criação de um protocolo para atendimento especial às pessoas com deficiência

O simpósio realizado hoje na sede do STJ foi o primeiro evento sobre autismo realizado e promovido pelo tribunal; expectativa é que evento se torne anual -  (crédito: Rafael Luz/STJ)
O simpósio realizado hoje na sede do STJ foi o primeiro evento sobre autismo realizado e promovido pelo tribunal; expectativa é que evento se torne anual - (crédito: Rafael Luz/STJ)

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) realizou nesta terça-feira (20/5) o 1º Simpósio Autismo e Justiça. O evento teve como objetivo refletir e debater sobre a atuação da justiça na perspectiva das pessoas com deficiência, seja no atendimento dado a elas, seja no resultado de decisões judiciais, sobretudo daquelas diagnosticadas com o Transtorno de Espectro Autista (TEA)

Conforme mencionou o procurador regional da República e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Pablo Coutinho Barreto, o tema é discutido de maneira mais ampla recentemente, “desde a Convenção do Direito das Pessoas com Deficiência, de 2009”, lembrou. 

Além do atraso em legislações que tratam do tema, soma-se a isso o capacitismo muito grande no Judiciário, conforme avaliação feita por Barreto, começando pela ausência de um protocolo em julgamentos que atenda as especificidades de uma pessoa com TEA, “na adequação do próprio ambiente, com a iluminação e o barulho”, exemplificou. 

Apesar da abordagem tardia, provavelmente devido ao fato de que até 1970 o autismo era considerado um tipo de esquizofrenia infantil, “o STJ vem se debruçando nas repercussões dessa temática, que é da ordem do dia”, disse o presidente da corte, o ministro Herman Benjamin. 

“Em todas as perspectivas essa temática evolui de maneira rápida, na perspectiva da ciência, das composições judiciais e no que tange a nossa jurisprudência”, disse Herman.

O evento, que contou com intérprete de libras, legenda em tempo real e audiodescrição dos expositores, teve a participação de advogados, juízes e ministros do Tribunal. Na ocasião, os magistrados abordaram casos julgados no STJ sobre o tema, que abarcam a cobertura de terapias pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o atendimento prioritário a pessoas com TEA, o direito de pessoas com autismo à autonomia ao atingir a maioridade e a garantia de ibilidade. 

Além disso, o tribunal, em suas decisões, vem considerando abusiva a recusa de planos de saúde na cobertura de terapias especializadas para o tratamento de TEA. 

“É reiterado o descumprimento de decisão judicial pelas operadoras de saúde. Esse comportamento sistemático configura um verdadeiro modelo de atuação”, relatou o advogado Jean Ferreira. Foi ele, filho e irmão de autistas — além de especialista no tema —, que provocou o STJ a promover o simpósio.

Conforme explicou o advogado, a multa pelo descumprimento de uma decisão judicial é menor do que o custo do tratamento nas operadoras de saúde. “É mais em conta negar o direito do que oferecer o atendimento”, apontou.

No entanto, mais do que respeitar a legislação que garante os direitos às pessoas com deficiência, é necessário ampliar os espaços de formação, para que profissionais da área do Direito de todas as regiões do país se alinhem definitivamente com os dispositivos constitucionais no que diz respeito ao cumprimento da garantia dos direitos das pessoas com deficiência. 

A ministra Daniela Teixeira, por sua vez, relatou que a mãe de uma criança de 5 anos, autista, precisou recorrer ao STJ contra a decisão de instâncias inferiores da Justiça, que negaram a ela o direito gratuito a fraldas. “Um processo cível desses leva em média 12 anos para ser concluído. Em casos como esse, até lá a mãe já deu um jeito.”

Para isso, cabe também a construção de legislações sob a ótica social e não apenas médica. “A deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras da participação dessas pessoas na sociedade”, comentou a juíza Katia Herminia Martins.

Na avaliação de Katia, que é presidente da Comissão de ibilidade e Inclusão e membro do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiência, do CNJ, “hoje é a sociedade quem precisa garantir que as barreiras não existam e não as pessoas com TEA que precisam ‘se curar’”.

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Conforme explicou, o critério médico — na legislação — vê as barreiras, o critério social vê as especificidades de cada pessoa diagnosticada com autismo. “A avaliação biopsicossocial é indispensável, deficiência não é doença, é uma expressão da diversidade”, comentou. 

O simpósio realizado hoje na sede do STJ foi o primeiro evento sobre autismo realizado e promovido pelo tribunal. Conforme informou o ministro Herman, a expectativa é que ele se torne anual. Uma roda de conversa com advogados e juízes que vivem com o TEA ou com familiares diagnosticados encerrou o evento.

postado em 20/05/2025 15:51 / atualizado em 20/05/2025 15:52
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