
O Supremo Tribunal Federal retoma hoje (12/5) as audiências da Comissão Especial que discute a Lei do Marco Temporal (Lei nº 14.701/2023), voltada à demarcação de terras indígenas. As reuniões acontecerão até o dia 25 de junho e têm como objetivo construir um consenso sobre a distribuição de terras aos povos originários no Brasil.
“Temos uma Câmara de Conciliação que tem como objeto o questionamento da constitucionalidade de uma lei. Então, o papel do Supremo seria receber a ação, dizer se é ou não constitucional”, comentou Maurício Terena, advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Na avaliação do jurista, a Comissão é “um espaço de possível retirada de direitos”, com grande possibilidade de “trazer um retrocesso no que diz respeito à pauta da política indigenista”, disse Maurício ao Correio.
O ministro relator responsável pelos trabalhos da Comissão é Gilmar Mendes. Em seu anteprojeto de lei complementar, há a previsão — por exemplo — de exploração mineral em terras indígenas, desde que aprovada pelo Congresso Nacional e com o consentimento dos povos que ocupam a área.
“Da leitura da minuta, fica explícito o atendimento a outros setores em detrimento dos direitos dos povos indígenas, sem a realização de uma escuta ativa e da consulta livre, prévia e informada, que fosse capaz de dar dimensão do que realmente está em jogo nesse debate”, comentou Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).
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Para o Instituto, o mais apropriado neste momento seria encerrar os trabalhos da Comissão Especial e declarar inconstitucional a íntegra da Lei do Marco Temporal, que regulamenta o artigo 231 da Constituição Federal. Nele, são reconhecidas as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos originários, sem estabelecer uma data para o reconhecimento.
Em 2023, o STF considerou, após a promulgação da lei, inconstitucional a tese do marco temporal — que estabelece como critério a ocupação da terra pelos indígenas em 5 de outubro de 1988.
“O que a gente vislumbra é que o capítulo que instituiu o direito indígena na Constituição está sendo reescrito, e isso é muito grave”, avalia Maurício. No mesmo sentido, declara Alice: “A sensação até agora é de que não há possibilidade de construção de consenso no âmbito da Comissão”.
A começar pela “disparidade de partes”, ou seja, “os povos indígenas, em comparação às demais partes dos processos, como órgãos do poder executivo, e que, mesmo pretendendo-se de Conciliação, prevê a possibilidade de votação para chegar aos resultados pretendidos, fugindo de elementos básicos do processo civil que cercam o conceito básico da conciliação”, destacou a advogada ao Correio.
Apesar de o marco temporal não estar em vigência, em razão de decisão anterior que declarou sua inconstitucionalidade, outros aspectos da Lei nº 14.701/2023 continuam válidos.
“Porém, ações judiciais que tocam a demarcação de terras indígenas estão suspensas por medida liminar deferida nestes processos, até que se conclua o julgamento dessas ações de controle concentrado de constitucionalidade”, explicou Alice.
Esse é um dos motivos pelos quais se espera o encerramento da tramitação da Comissão de Conciliação, para retomada do andamento processual.
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A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também contesta a legitimidade do processo e aponta que o ambiente de debate foi transformado em uma tentativa de legalizar retrocessos. Entre os pontos considerados mais graves pela entidade estão a flexibilização das regras de demarcação, a relativização do direito à consulta prévia e a abertura dos territórios à exploração mineral.
A coordenadora-secretária da entidade, Marciely Ayap Tupari, afirmou que a expectativa é de que o STF reafirme sua decisão anterior, que rejeitou o marco temporal, considerando-o inconstitucional, e ponha fim ao espaço de conciliação que, segundo ela, “não garante os direitos constitucionais dos povos indígenas”.
Representantes dos povos indígenas também denunciam que a presença ativa do agronegócio — representado por entidades como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) — transformou o processo em um instrumento de pressão política para manter o marco temporal e fragilizar o sistema de proteção às terras indígenas.
Saiba Mais
Na avaliação do gabinete do ministro relator, Gilmar Mendes, há a expectativa de construção de consenso a respeito do tema e a avaliação de que os trabalhos estão tramitando normalmente na Comissão de Conciliação.
Fazem parte da Comissão os seguintes representantes: Câmara dos Deputados (3 vagas), Senado Federal (3), Advocacia-Geral da União (1), Ministério da Justiça (1), Ministério dos Povos Indígenas (1), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (1), Fórum de Governadores (1), Colégio Nacional de Procuradores de Estado (1), Confederação Nacional dos Municípios e Frente Nacional de Prefeitos (1 vaga, indicada conjuntamente), autores das ações discutidas no STF (5 vagas, uma para cada ação), Articulação dos Povos Indígenas e entidades associativas (6 vagas).
Também participam, apenas como observadores, representantes da Procuradoria-Geral da República, do Conselho Nacional de Justiça, da Ordem dos Advogados do Brasil e um membro de cada entidade itida como terceiro interessado. Este grupo poderá participar das audiências, mas sem apresentar propostas.