Entrevista

"Igualdade tem de ser real, e não é", diz Maria Elizabeth Rocha

Primeira mulher a comandar o Superior Tribunal Militar, a ministra enfatiza que sua principal pauta é o empoderamento feminino. Ela ressalta, também, que a inclusão "tem de ser levada a sério e ser implementada por meio de políticas públicas"

Maria Elizabeth Rocha:
Maria Elizabeth Rocha: "Nós, mulheres, temos o direito de reivindicar aquilo que o Estado Democrático nos oferece" - (crédito: Guilherme Felix CB/DA Press )

Primeira mulher presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha enfatizou que luta, sobretudo, pelo empoderamento feminino. "Temos o direito de reivindicar aquilo que o Estado Democrático nos oferece. Afinal de contas, a igualdade não pode estar só escrita na Constituição; ela tem que ser real, tem de ser material. E ela não é", afirmou, em entrevista às jornalistas Mariana Niederauer e Adriana Bernardes, no programa CB.Poder, parceria entre o Correio e a TV Brasília.

Na posse, a senhora teve uma fala muito firme, em que disse ser feminista. Qual é a importância em ser a primeira mulher presidente do STM e trazer essa mensagem?

O que eu quis mostrar para aqueles que me ouviam, e para todos que ocupam cargos de poder, é que a minha pauta é, sobretudo, o empoderamento feminino. É inconcebível seres humanos serem hierarquizados socialmente em razão das suas orientações sexuais, do seu gênero, da sua etnia, das suas escolhas pessoais. Isso é inissível em uma sociedade democrática. Então, a minha mensagem foi no sentido de que a inclusão é uma pauta contemporânea, que tem de ser levada a sério e ser implementada por meio de políticas públicas. Não apenas falo isso para promovê-las, como também estou buscando dar o exemplo. Trouxe para a minha presidência pessoas neurodiversas, pessoas de etnias variadas, pessoas de orientações sexuais diversas, pessoas trans.

Nesse primeiro mês à frente do STM, a senhora começou a implementação do Observatório da Equidade. Em que fase está e como vai atuar?

O observatório irá atuar no sentido de promover práticas por equidade e antidiscriminatórias. Nesse primeiro mês, tive a oportunidade de receber vários coletivos de mulheres trans, negras, diversas em todos os sentidos, para trazerem suas reivindicações e pautas femininas e feministas. Também tive a oportunidade de receber 35 lideranças indígenas. Isso se deve ao fato de que a interface do Estado com as comunidades tradicionais sempre são as Forças Armadas. Então, é importante o diálogo, ouvir as reivindicações dessas pessoas que são excluídas, invisibilizadas, que não têm voz, que praticamente não têm representação política, para poder ouvir suas dores e levar aos aparatos do Estado, para que possam ser absorvidas, e o Estado, aperfeiçoado. Nesse sentido, nós buscaremos levar às escolas e academias militares um letramento racial e de gênero e, para além disso, buscar dialogar com espaços de poder. No dia 29, faremos uma reunião no Superior Tribunal Militar com lideranças femininas da Câmara, para que possamos estar a par do que está sendo discutido no Parlamento e nos engajar nessa luta, porque já temos muitas ações deflagradas, muitos projetos de lei que estão em tramitação. Se não temos, hoje, condições mais facilitadas de mudar a mentalidade de pessoas já formadas, com certeza teremos para fazer isso com jovens, cadetes e garotos de colégios militares, mostrando a eles que é importante respeitar o outro.

O presidente Lula indicou Verônica Sterman para ministra do STM. Qual a importância de ter mais uma mulher no colegiado?

Posso dizer, com muita alegria, que a representação feminina no STM aumentou em 100%. Tenho usado a minha voz para reivindicar maiores espaços das mulheres nas ocupações dos cargos de poder. Nós, mulheres, quando o o é meritório, adentramos sem problema algum, sobretudo quando é o concurso de provas e títulos. As juízas de primeira instância são inúmeras, nós não precisamos reivindicar nada, porque elas são aprovadas. As dificuldades começam quando as indicações se tornam políticas: aí, os nossos corredores são muito mais estreitos do que os dos nossos colegas homens. Não é aceitável, numa democracia, uma sociedade homogênea. A heterogeneidade deve prevalecer. Nós, mulheres, de todos os matizes, de todas as orientações, de todas as etnias, temos o direito de reivindicar aquilo que o Estado Democrático nos oferece. Afinal de contas, a igualdade não pode estar só escrita na Constituição; ela tem que ser real, ela tem que ser material. E ela não é.

Sobre os atentados de 8 de janeiro: qual vai ser o papel do STM nessa tentativa de golpe, no que diz respeito ao envolvimento de militares?

O STM, eventualmente, pode vir a julgar crimes militares conexos, como nós já julgamos, por exemplo, uma ofensa nas redes sociais ao comandante do Exército, e como também podemos vir a julgar, se houver condenações, os conselhos de justificação ou as representações de indignidade para com o oficialato, a depender da pena e do trânsito em julgado da decisão penal. São os chamados tribunais de honra.

No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, ele pode perder a patente?

Qualquer militar, de Caxias a Bolsonaro, pode perder a patente, independentemente de ter cometido crime. Porque a incompatibilidade para com o oficialato não significa, necessariamente, que o militar tenha cometido qualquer agravo. Ele pode ser, por exemplo, incompatível, indisciplinado, impontual. Então, eu quero deixar bem claro que não há, ainda, qualquer tipo de possibilidade de previsão jurídica de que o presidente Bolsonaro possa perder a patente e o posto. Primeiro, porque ele sequer foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal e, mesmo se ele for julgado, este tribunal de honra pode vir a não ser instalado e, se vier, o plenário do STM pode justificá-lo. Então, são muitas hipóteses, e não é possível afirmar que ele irá perder, efetivamente, o posto e a patente.

Confira a íntegra do programa

*Estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa

FG
postado em 17/04/2025 03:55
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