
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendeu parcialmente a um habeas corpus protocolado pela Advocacia-Geral da União (AGU) pedindo que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello permanecesse em silêncio no depoimento à I da Covid, no Senado, marcado para quarta-feira. Conforme a decisão do magistrado, o general poderá se negar a dar respostas que venham a incriminá-lo, mas continuará obrigado a revelar “tudo o que souber ou tiver ciência” sobre fatos relacionados a terceiros.
No pedido à Corte, a AGU alega que a maioria dos membros da I tem adotado uma postura de induzir as testemunhas a darem declarações indicando falhas do presidente Jair Bolsonaro e de outros integrantes do Executivo no combate à pandemia. Dessa forma, por entender que o ex-ministro poderia ser coagido pelos parlamentares, inclusive com o risco de ser preso em flagrante, o órgão pediu que ele tivesse a opção de ficar em silêncio.
Ao conceder o direito a Pazuello, Lewandowski justificou que a presença do ex-ministro na I, ainda que na qualidade de testemunha, tem o potencial de repercutir em sua esfera jurídica, ensejando a ele um possível dano. De acordo com o ministro do STF, “a circunstância de o paciente responder a um inquérito criminal sobre os mesmos fatos investigados pela I empresta credibilidade ao receio de que ele possa, ao responder determinadas perguntas dos parlamentares, incorrer em autoincriminação, razão pela qual se mostra de rigor o reconhecimento de seu direito ao silêncio”.
“Por isso, muito embora o paciente tenha o dever de pronunciar-se sobre os fatos e acontecimentos relativos à sua gestão, enquanto ministro da Saúde, poderá valer-se do legítimo exercício do direito de manter-se silente, porquanto já responde a uma investigação, no âmbito criminal, quanto aos fatos que, agora, também integram o objeto da I”, argumentou o magistrado. Segundo a decisão, o ex-ministro não poderá ficar em silêncio quando for perguntado sobre assuntos que envolvam outras pessoas.
Para a maioria dos titulares da I, formada por senadores de oposição e independentes, os esforços do governo para silenciar Pazuello refletem temor de que o general possa revelar eventuais interferências de Bolsonaro nas ações do Ministério da Saúde na crise sanitária.
Segundo eles, Pazuello, além de ser o ministro da Saúde que mais tempo ocupou o cargo neste governo — 10 meses —, é fundamental para esclarecer se a pasta não atendeu adequadamente aos vários alertas sobre a escassez de oxigênio na rede de saúde de Manaus. Em janeiro deste ano, mais de 30 pacientes com covid-19 morreram pela falta do insumo.
O general também tem informações importantes sobre as causas da demora do governo para adquirir vacinas contra o novo coronavírus. Em outubro de 2020, logo depois de anunciar a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, imunizante produzido pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, Pazuello foi desautorizado por Bolsonaro a fechar o negócio. Na ocasião, num vídeo em que os dois aparecem juntos, o então ministro disse que não havia problemas pela reprimenda pública, porque “um manda, o outro obedece”.
Ofício
Horas antes da decisão de Lewandowski, Renan Calheiros (MDB-AL), relator da I, enviou ofício ao magistrado pedindo que ele rejeitasse o habeas corpus. No texto, o parlamentar afirmou que, ao recorrer ao Supremo, o ex-ministro da Saúde pode estar “querendo proteger possíveis infratores”.
O senador disse, também, que “negar-se a responder à I equivale a esconder do povo brasileiro informações cruciais para compreender momento histórico, responsabilizar quem tenha cometido irregularidades e evitar que se repitam os erros que levaram à morte de quase meio milhão de brasileiros inocentes, até agora”.
Na opinião do senador Humberto Costa (PT-PE), titular da I, o temor do governo com o depoimento do general se deve ao fato de ele ter informações sobre ingerências de Bolsonaro na pasta. “Eu acho que é um receio importante, porque o Pazuello, na hora em que sentar ali, quem vai estar sentado é Bolsonaro. À frente do ministério, Pazuello não fez nada, não tomou nenhuma iniciativa, não tomou nenhuma decisão que não tivesse partido de Bolsonaro”, enfatizou.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), suplente da comissão, disse que, mesmo com o silêncio do ex-ministro, o colegiado poderá esclarecer os fatos com outros depoimentos e provas que serão colhidos durante as investigações. “A concessão do habeas corpus está dentro da linha da jurisprudência do Supremo; é um direito do cidadão buscar esse tipo de proteção, especialmente o cidadão que tem muita coisa a esconder”, alfinetou.
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Economia alega ter subestimado crise
O Ministério da Economia informou, em ofício enviado à Comissão Parlamentar de Inquérito (I) da Covid, no Senado, que não indicou recursos para o combate ao novo coronavírus no Projeto de Lei Orçamentária deste ano porque não vislumbrou “recrudescimento da pandemia no patamar atingido em 2021”. A declaração foi reada ao colegiado após requerimento feito pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
A Economia afirmou que cabe aos ministérios, responsáveis pelas políticas públicas, solicitar à pasta “o cadastramento de novas ações orçamentárias com vistas a ar os gastos com essas políticas, inclusive, ações específicas destinadas ao combate à pandemia da covid-19”.
“Não obstante, a competência originária dos Ministérios Setoriais em propor a criação de ações orçamentárias para atendimento de suas políticas, a previsão de alocação de dotação orçamentária para combate à covid-19, no momento da elaboração do PLOA 2021, pelo Poder Executivo, em 2020, tornou-se incerta, uma vez que, naquele momento, não se vislumbrou a continuidade bem como o recrudescimento da pandemia da covid-19 no patamar atingido em 2021”, sustentou.
A pasta pontuou que a crise sanitária “tornou-se fenômeno de imprevisibilidade originária e de imprevisibilidade contínua e intrínseca pelo grande número de variáveis incidentes sobre a calamidade enfrentada, inclusive com diferenças regionais significativas e dessincronizadas no vasto território nacional”. “É fundamentalmente, por esse motivo, que as dotações específicas para o combate à pandemia foram, ao menos em regra, veiculadas por créditos extraordinários”, ressaltou.