Artigo

O preço da insolência

A convocação de 4 mil homens da Guarda Nacional e de 700 fuzileiros navais para reprimir protestos em Los Angeles pode ser uma armadilha montada contra Trump por ele próprio

Fogo de artifício explode atrás de policial de choque durante protesto no bairro Little Tokyo, em Los Angeles  -  (crédito: Ronald Schemidt/AFP)
Fogo de artifício explode atrás de policial de choque durante protesto no bairro Little Tokyo, em Los Angeles - (crédito: Ronald Schemidt/AFP)

Donald Trump está no poder há exatos 141 dias. Parece uma eternidade. O segundo mandato do presidente dos Estados Unidos revestiu-o de um poder quase autocrático. Pelo menos é assim que o magnata republicano se sente. A vitória na eleição de 2024 — depois da incitação à invasão ao Congresso, três anos antes, e de uma série de acusações na Justiça — emprestou a Trump a falsa noção de que tudo pode, inclusive manter os ataques à democracia. Ele tem feito isso reiteradamente, com medidas inconstitucionais e polêmicas, que ameaçam as liberdades civis.

O que acontece em Los Angeles, e agora se espalha para outras cidades, como Nova York, Filadélfia (Pensilvânia) e Austin (Texas), é apenas reflexo da insolência de um líder que ignora o fato de que os Estados Unidos são uma nação construída por migrantes. O aparelhamento do Estado para promover uma caçada aos estrangeiros não documentados é visto por parte da população como uma tática eleitoreira para satisfazer a base conservadora e a extrema-direita norte-americana, desconsiderando a própria Constituição e o tecido social dos EUA.

A convocação de 4 mil homens da Guarda Nacional e de 700 fuzileiros navais para reprimir protestos em Los Angeles pode ser uma armadilha montada contra Trump por ele próprio. Caso a violência descambe para uma intensidade capaz de deixar mortos e feridos, o presidente poderá enfrentar uma pressão crescente do Partido Republicano para recuar e desmobilizar o contingente. E mais: adotar mudanças que suavizem a política migratória, ao menos a atuação da ICE, a polícia da Imigração, na perseguição e deportação dos não documentados. Qualquer um desses efeitos pode surtir no enfraquecimento do capital político de Trump.

O padrão de comportamento do chefe de Estado americano, notoriamente egoico e vaidoso, parece minimizar essa possibilidade. Se persistir no confronto aberto contra o governador da Califórnia, Gavin Newsom, e insistir na militarização das cidades palcos dos protestos de imigrantes e simpatizantes, Trump também estará em maus lençóis.

O governo da Califórnia anunciou que entrará com uma ação judicial contra o presidente e apelará aos tribunais para tentar bloquear a mobilização da Guarda Nacional e dos marines. É bem possível que Trump sofra uma derrota nas Cortes. A solicitação para a convocação da Guarda Nacional ou dos fuzileiros navais é uma atribuição dos governadores. Newsom não pediu uma intervenção federal na Califórnia, o que sugere uma ação inconstitucional e um atropelo de poderes por parte do presidente.

Os próximos dias serão determinantes para Trump. Talvez esta seja uma oportunidade para o titular da Casa Branca perceber que a democracia e os direitos civis não são fantoches. E que o poder do ocupante do Salão Oval não é inquestionável, e precisa respeitar limites. Caso contrário, os EUA correm o risco de mergulhar na convulsão social.

 


postado em 11/06/2025 06:01
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