ARTIGO

Senhores, ponham-se nos seus lugares!

O episódio no Senado com a ministra Marina Silva refletiu, mais uma vez, a persistência de uma estrutura de poder historicamente marcada pela negação da presença das mulheres em esferas públicas de decisão

. -  (crédito: Geraldo Magela/Agência Senado)
. - (crédito: Geraldo Magela/Agência Senado)

ANA PAULA LIMA, deputada federal (PT-SC) e vice-líder do governo

Tentei a primeira vez! Ensaiei as primeiras palavras, mas eles só olhavam entre si, mesmo estando em uma roda de conversa. Quando balbuciei, sequer viraram os rostos para saber de onde viriam aquelas poucas palavras que conseguiram sair de mim. Parecia invisível. 

Novamente, esperei um pausar de respiração para poder me fazer ouvir. Nada. Aprendi dentro de casa que enquanto um fala o outro silencia. Aprendi que é falta de respeito e educação cortar a fala do outro. Então, esperei mais uma vez a pausa na respiração para engatar minha opinião. Aumentei o tom de voz e saí atropelando quem não me deixava falar. Deixei em casa os bons modos e segui olhando firme com raciocínio concatenado. 

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Desenvolvi meu raciocínio, minha opinião, meu ponto de vista. Quanto esforço! Quanta energia despendida! Vai além do intelectual, é uma mistura de esforço físico, emocional e intelectual. 

O fato vivido nesta semana pela ministra Marina Silva é corriqueiro na vida de Maria, de Joana, de Larissa. É corriqueiro na minha vida. Por isso, paro tudo para me juntar à voz de todas as mulheres brasileiras que não se deixam calar. Os ataques misóginos e racistas dos senadores da Região Norte do país (Marcos Rogério, Osmar Aziz e Plínio Valério) jamais serão ignorados. Por isso, senadores, ponham-se em seus lugares!

Marina Silva saiu fortalecida em sua causa e na causa da prosperidade das gerações futuras. Sim, o debate era a proteção da Amazônia, mas poderia ser qualquer outro assunto nosso do dia a dia: decisões que precisamos tomar e que nos impactam, seja na vida profissional ou na pessoal.

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As mulheres foram as primeiras a se manifestarem em protesto. O Movimento Mulheres em Luta fez circular um abaixo-assinado em repúdio ao ocorrido. O Ministério das Mulheres manifestou em público solidariedade à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima pelo episódio. Classificou o fato como inaceitável de violência política de gênero e raça.  Marina é referência internacional na defesa do meio ambiente e dos direitos humanos. 

A constatação e a solidariedade vieram de vários cantos do país. Todas com a mesma constatação: o episódio refletiu, mais uma vez, a persistência de uma estrutura de poder historicamente marcada pelo machismo, pelo racismo e pela negação da presença das mulheres em esferas públicas de decisão.  Não foi um caso isolado. É um fato corriqueiro nas nossas vidas.

Uma prova disso é a representatividade do feminino no nosso parlamento. A presença de mulheres no Congresso brasileiro é a 133ª menor do mundo — o Brasil ficou abaixo de Arábia Saudita, da Somália e do Cazaquistão em ranking da ONU, segundo relatório Mulheres na Política: 2025. O documento destaca um avanço pequeno na representatividade feminina global. Esse relatório divulgado há poucos dias reforça a desigualdade e a dificuldade para encorajar mulheres a enfrentarem o desafio de fazer política, de ter voz no parlamento.

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Como afirmou em nota o Ministério das Mulheres, o episódio com Marina Silva expõe a violência política de gênero e raça como "uma grave violação dos direitos humanos das mulheres que compromete a democracia e atinge todas as mulheres que ousam ocupar lugares de poder e fala". Um fato que se espraia atinge também mulheres que são dirigentes partidárias, lideranças de movimentos sociais e sindicais, ativistas sociais, defensoras dos direitos humanos, jornalistas e influencers digitais.

A nossa democracia, para ser plena, requer mais representatividade, requer voz ativa para as mulheres poderem exercer suas funções e mandatos em todas as esferas dos Poderes da República livres de agressões morais e físicas. A mulher tem o direito de atuar sem ser objeto de ataques que tentem desqualificá-la.

Microfone cortado, fala interrompida, há ainda aqueles que, depois que conseguimos ter o nosso momento de fala, resolvem explicar o que falamos. Patético?!!! No mínimo. Por isso, Marina, faço das suas palavras minha bandeira de luta: "O meu lugar é defendendo aquilo que acredito, combatendo a desigualdade".

Por Opinião
postado em 30/05/2025 06:03
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