
Lamento muito a morte do papa Francisco, um líder católico que se aproximou e defendeu os mais pobres, os oprimidos pelas desigualdades, pelos preconceitos e pelas discriminações, que produzem injustiças. O argentino Jorge Mario Bergoglio, o primeiro latino-americano a chegar ao trono do Vaticano, era da ordem dos jesuítas, mas adotou o nome de Francisco numa referência a São Francisco e por influência de dom Cláudio Hummes, da ordem franciscana. Ambos eram muito amigos. O cardeal Hummes, de São Paulo, morreu em 2022. Papa Francisco deixa um legado de solidariedade, afeto ao próximo e justiça social, que o imortalizará na história da humanidade.
Em 12 anos liderando os católicos, ele foi intrépido lutador pela paz e pela harmonia entre as nações. Por diversas vezes, condenou as guerras em curso: Rússia contra a Ucrânia e o embate sangrento e desmedido entre israelenses e palestinos, no Oriente Médio, conflitos que extirpam a vida de milhões de pessoas, não poupando mulheres, crianças, jovens e idosos.
Em pouco mais de uma década, o papa Francisco fez mudanças substantivas dentro da Igreja. Começou pelo enfrentamento dos escândalos de pedofilia no meio católico. Ao contrário de antecessores, que fizeram vista grossa aos escândalos, cobrou punição rigorosa aos religiosos em todas as partes do mundo. Uma decisão que mexeu na estrutura da Igreja e sinalizou aos católicos, como líder do Vaticano, que estava seguindo um caminho antes nunca trilhado por seus recentes antecessores.
Até então, o inimaginável tornou-se concreto por Francisco: espaço para as religiosas, o acolhimento dos LGBTQIA +, que, como seres humanos, independentemente do gênero, devem ser abençoados. A sua opção pelos pobres mostrou um alinhamento com a Teologia da Libertação, que emergiu na Igreja nos anos 1960-1970, durante as conferências episcopais de Medellín, na Colômbia, e Puebla, no México, que orientavam líderes católicos a terem esse comportamento ante as desigualdades socioeconômicas e a truculência de países istrados por mãos de ferro — um deles o Brasil, sequestrado pela ditadura militar.
Francisco chegou ao Vaticano como um religioso de vanguarda, que deslocou a Igreja para o século 21, algo não muito bem digerido pelos conservadores. A sua forma de dialogar e de levar para os fiéis as tragédias que conspiram contra a vida, entre elas, a questão ambiental, incomodava o clero mais tradicional. A encíclica sobre o meio ambiente, conhecida como Laudato Si (Louvado seja) divide com os católicos a responsabilidade de cuidar do planeta e a defesa da vida.
A sua agem foi marcante e fez-me lembrar de vários religiosos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que, no infame período da ditadura militar, eram vozes dos oprimidos pelo regime: dom Luciano Mendes de Almeida, dom Aldo Mongiano, dom Moacyr Grechi, dom Pedro Casaldáliga, dom Tomás Balduíno, dom Helder Câmara e tantos que agiam em sintonia fina com o ensinamento cristão "faça ao próximo o que deseja para si mesmo".
Ontem, os católicos perderam um grande homem, um papa inesquecível. Ele se despediu de todos no domingo, mas deixou um pedido: "Apelo a todos os que, no mundo, têm responsabilidades políticas para que não cedam à lógica do medo que fecha, mas usem os recursos disponíveis para ajudar os necessitados, combater a fome e promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento. Essas são as 'armas' da paz: aquelas que constroem o futuro em vez de espalhar morte!".