
Um recente estudo do IBGE revelou um dado alarmante, mas infelizmente não surpreendente: a maioria das cidades brasileiras carece de calçadas adequadas e de arborização mínima. Essa questão é muitas vezes tratada como secundária, mas é chave na estruturação de um espaço urbano saudável, inclusivo e seguro. Trata-se de garantir a mobilidade urbana de todos os cidadãos, não importa a condição social e/ou física.
A ausência de calçadas em bom estado de conservação e ibilidade, comprometendo o deslocamento dos cidadãos, além de sinalização adequada para travessia das vias, é um sintoma de atraso civilizatório. E escancara o fracasso do planejamento urbano no Brasil — um fracasso que não se limita à estética da cidade, mas que revela uma teia de exclusões mais profunda e perigosa.
A precariedade das calçadas representa muito mais do que um transtorno: é um ataque direto à cidadania. Para idosos, crianças e pessoas com deficiência (PcD), circular pelas ruas brasileiras é um desafio cotidiano. Um risco que leva muitas pessoas a não saírem de casa. Sem ibilidade, o direito de ir e vir é negado. A cidade deixa de ser um espaço de convivência para se tornar uma zona de risco.
Esse cenário não é isolado. A falta de calçadas é frequentemente acompanhada por outra chaga urbana: a ausência de saneamento básico e de galerias pluviais. Onde falta cuidado com a superfície, falta também com o subsolo. O esgoto a céu aberto ou vazamentos na sua rede contaminam o sistema de abastecimento de águas. Sem drenagem eficiente, as chuvas arrastam lixo, contaminam mananciais, provocam enchentes e espalham doenças. Em vez de política pública, o que se vê é a política do improviso e da omissão.
E como tudo isso se conecta com a violência? De forma direta: espaços urbanos degradados, escuros, abandonados pelo poder público tornam-se férteis para o crescimento da criminalidade. A ausência do Estado na forma de infraestrutura abre espaço para outras formas de controle — muitas vezes, armadas, violentas, autoritárias. A territorialização do crime organizado, do tráfico de drogas e da milícia. Sem calçadas e ruas seguras, mas com medo constante e sensação de abandono, a cidade se fecha em si mesma.
O que está em jogo, portanto, não é apenas a urbanização ou o paisagismo, mas a própria democracia urbana. Uma cidade que exclui os mais frágeis de seus espaços é um campo minado. O estudo do IBGE deveria servir como um alerta, mas precisa ser mais do que isso: deve ser o ponto de partida para uma política urbana integrada, que trate mobilidade, saneamento, segurança e meio ambiente como direitos inseparáveis.
Não devemos seguir tropeçando nas calçadas esburacados ou no meio-fio de ruas mal-cuidadas, de cidades feitas para poucos, que deixam muitos à margem, no asfalto quente e invisível da exclusão.