Violência

O enfrentamento à violência contra mulher

A estratégia de enfrentamento à violência contra a mulher deve ser abrangente, envolvendo a ampliação de registros e denúncias, o aprimoramento dos serviços de proteção e a implementação de políticas públicas que combatam tanto a agressão quanto as condições que a propiciam

Para enfrentar o problema, é fundamental aprimorar o acolhimento e a confiança das vítimas na polícia, estimular denúncias e ampliar os canais de apoio -  (crédito: Caio Gomez)
Para enfrentar o problema, é fundamental aprimorar o acolhimento e a confiança das vítimas na polícia, estimular denúncias e ampliar os canais de apoio - (crédito: Caio Gomez)

Ronney Augusto Matsui Araujomestre em governança e desenvolvimento pela Fundação Escola Nacional de istração Pública (Enap), delegado da Polícia Civil do DF

Março, o Mês Internacional da Mulher, relembra conquistas históricas a partir da marcha de Nova Iorque de 1908 — o direito à participação política, avanços na educação e no mercado de trabalho. No entanto, a violência contra a mulher persiste e tem se agravado, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De 2023 para 2024, observa-se aumento nos índices: feminicídios +0,8%, tentativa de feminicídio +7,1%, violência doméstica +9,8%, stalking +34,5%, ameaças +16,5%, violência psicológica +33,8%, estupros +6,5%, importunação sexual +48,7% e divulgação de cenas de estupro/sexo/pornografia +47,8%.

Relatórios da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF) apontam que, em 2022, foram registrados 266 estupros, 294 em 2023 e 319 em 2024 — um crescimento de 19,9%. No mesmo período, as ocorrências de violência doméstica ou familiar aram de 16.949 em 2022 para 20.867 em 2024 (aumento de 23,1%). Entre 2015 e 2024, 209 feminicídios foram registrados no DF, com 23 casos em 2024 e 30 em 2023.

A violência contra a mulher e o feminicídio configuram problemas complexos (ou wicked problems), com causas transversais que exigem uma ação integral: multidimensional e intersetorial. A eficácia do sistema de justiça, evidenciada pela prisão de 77,2% dos autores de feminicídio (e tendo em consideração que 14,6% dos autores cometeram suicídio), mostra que a simples punição não é suficiente para prevenir esses crimes, que, em 72% das vezes, ocorrem no interior das residências, utilizando armas brancas (52% dos casos) ou asfixia/agressão (21%).

Diante dessa realidade, destaca-se a necessidade de reduzir a cifra oculta — 67,6% das vítimas de feminicídio consumado no DF nunca haviam registrado ocorrências contra seus agressores. Para enfrentar o problema, é fundamental aprimorar o acolhimento e a confiança das vítimas na polícia, estimular denúncias e ampliar os canais de apoio, inclusive permitindo que terceiros, como vizinhos e familiares, denunciem agressões.

Outro ponto crucial é o sentimento de posse que motiva os feminicídios — 61% dos casos decorrem de ciúmes e 22%, do término do relacionamento. Esse sentimento, aliado a antecedentes criminais (presente em 76% dos autores) e à prática anterior de violência doméstica (71,8%), reforça a urgência de medidas preventivas. A Lei 7.536/24, Conheça seu Par, possibilita que mulheres consultem os antecedentes criminais de parceiros, mitigando o risco de relacionamentos abusivos.

Embora as políticas de proteção às mulheres foquem nas vítimas (programas como Mulher Segura, casas de abrigo, medidas protetivas), é imperativo que os agressores também recebam acolhimento e orientações para reinserção social, tratamento de vícios e mudança de comportamento, de modo a romper o ciclo de violência.

A influência do uso abusivo de álcool e drogas é notória, uma vez que 44% dos casos ocorrem em horários de maior oferta de tais substâncias (fins de semana e madrugadas) e 69% dos agressores têm histórico de consumo excessivo, com 83% dos casos de violência doméstica relacionados a essa condição. A redução do o a bebidas e drogas, bem como a implementação de medidas como os overserving laws — que proíbem o serviço a indivíduos visivelmente intoxicados — podem contribuir para a prevenção da violência. 

Em um contexto de pulverização de distribuidoras de bebidas servindo bebidas indiscriminadamente 24/7 (24 horas por dia e sete dias por semana), fazer campanhas educativas, fiscalizar e restringir o horário de venda de bebidas são iniciativas que alinham a ação pública com o vasto material científico apresentando evidências de que a redução de o ao álcool previne a violência contra as mulheres, além de outros crimes, como homicídios. Em Diadema (SP), a partir de 2002, os bares aram a fechar às 23h. A cidade saiu de uma taxa de 54,6 homicídios por habitantes em 2002 para 9,5 em 2011. A violência contra as mulheres caiu 40% em dois anos.

Em síntese, a estratégia de enfrentamento à violência contra a mulher deve ser abrangente, envolvendo a ampliação de registros e denúncias, o aprimoramento dos serviços de proteção e a implementação de políticas públicas que combatam tanto a agressão quanto as condições que a propiciam, como o consumo desmedido de álcool e drogas e o sentimento de posse abusiva. A mudança de cultura e a promoção do respeito mútuo entre os gêneros, embora um processo intergeracional, precisam começar já, por meio da educação em casa, nas escolas e na mídia.

 

Opinião
postado em 25/03/2025 06:00
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