Opinião

"Enganoterapia" na veia

As unidades de aplicação de "elixires" modernos multiplicam-se, prometendo "potencializar a saúde", melhorar a qualidade do sono, entre muitas outras soluções. É um festival de charlatanismo

Na moda, as infusões de vitaminas e minerais não têm efeito comprovado 
 -  (crédito: Rawpixel/Divulgação )
Na moda, as infusões de vitaminas e minerais não têm efeito comprovado - (crédito: Rawpixel/Divulgação )

Por algum tempo, tentei colecionar revistas antigas. Em feiras especializadas e leilões, consegui exemplares da Fon-Fon, da Careta, do Malho, da Noite Fluminense…além de uma boa quantidade de almanaques patrocinados pela indústria farmacêutica. É uma pena que as alergias tenham acabado com meu atempo — inclementes, os ácaros não me deixavam ar da metade da leitura sem uma boa crise de asma.

Um dos aspectos mais fascinantes nas revistas e nos almanaques do início do século 20 eram as propagandas, especialmente as de medicamentos. Curava-se absolutamente tudo: o Elixir das Damas, por exemplo, evitava "todas as molestias do Utero e Ovarios, Corrimentos e Catharros Uterinos"; o Linimento de Sloan era o terror dos "rheumatismos", curando "Ciatica, neurosis, brochite e outras enfermidades"; recomendava-se heroína para tosse pediátrica; já os drops de cocaína serviam para dor de dente.

A não ser pela atualização ortográfica e pelo banimento das drogas ilícitas, essas propagandas não se diferem muito do que testemunhamos, hoje, no mercado de produtos voltados à saúde. Recebi, em novembro ado, o folheto de uma clínica médica oferecendo "soroterapia" na Black Friday. Era algo do tipo: "tome vitamina C e D intravenosa e ganhe um combo de minerais diversos".

Em Brasília, como no restante do país, as unidades de aplicação desses "elixires" modernos multiplicam-se, prometendo "potencializar a saúde", melhorar a qualidade do sono, reduzir a gordura localizada, "aumentar a vitalidade", entre muitas outras soluções, tais quais as pílulas, xaropes e tabletes dos 1900. É um festival de charlatanismo, sem qualquer comprovação científica, e quem diz isso são médicos que tentam esclarecer a população, como a endocrinologista Hermelinda Pedrosa, titulada pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) e membro do Grupo de Trabalho Intercameral para Análise de "Soroterapia" para a elaboração de um parecer do Conselho Regional de Medicina do DF. 

"Infelizmente, a picaretagem é global. A criatividade do charlatanismo é incrível", disse a médica e pesquisadora, uma referência na área da endocrinologia, em entrevista ao Correio. Conversei com ela há algumas semanas, quando fazia uma reportagem sobre a falta de evidência científica das infusões de vitaminas e minerais — cujas indicações, embora existam, são limitadíssimas.

Há os que defendam a prática, acusando os contrários de serem "vendidos para a indústria farmacêutica". Como se as aplicações endovenosas de vitaminas e sais minerais fossem curativas e, mais do que isso, filantrópicas. A verdade é que, por trás do marketing — do qual participam os tais "influenciadores digitais" —, há uma poderosíssima máquina de extrair pix. Os pacotes de aplicação são caríssimos e, quando não fazem mal (algumas substâncias podem se acumular no organismo), simplesmente são excretados pela urina.

É urgente a fiscalização desses estabelecimentos e a punição, pelos conselhos de classe, de profissionais que insistem em enganar pacientes com soluções milagrosas. Deixemos, nas páginas amarelas e repletas de ácaro, os elixires para todos os males.

Paloma Oliveto
postado em 11/03/2025 06:00
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