
Com 120,8 milhões de fiéis, a Ásia compreende apenas 11% dos católicos do mundo, mas, enquanto a Europa perde devotos, o número de seguidores da religião no continente aumentou 0,6%, segundo o Annuarium Statisticum Ecclesiae 2023, uma publicação do Vaticano. Em 7 de maio, essa região do planeta poderá ter seu primeiro pontífice — assim como em 2013, o filipino Luis Antonio Tagle, 67 anos, está na lista dos mais cotados por vaticanistas para assumir o trono de São Pedro.
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De origem simples, Tagle nasceu em Imus, perto de Manila, e estudou em escolas católicas da capital, antes de se formar em filosofia e teologia. Conhecido por conversar com os fiéis após a missa, também costumava convidar pessoas em situação de rua para jantar em sua casa, um hábito que lhe rendeu a alcunha de "Francisco asiático". Brincalhão, o arcebispo emérito já foi filmado cantando diversas vezes — em uma delas, entoa Imagine, de John Lennon, mas teve o cuidado de suprimir o trecho em que o compositor almeja por um mundo sem religiões.
"Cada cardeal traz consigo experiências específicas, uma complexidade de pontos de vista teológicos e um estilo de personalidade distinto. O cardeal Tagle certamente possui uma vasta gama de experiências significativas e é visto como conciliador e agradável", define a professora de sociologia Michele Dillon, reitora da Faculdade de Artes Liberais da Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos. Ela, porém, ressalta: "Essas qualidades precisam ser complementadas por uma liderança firme — tanto nas interações com cardeais, bispos e outras autoridades eclesiásticas, quanto em seu papel de ministrar à diversidade cultural e doutrinária global dos leigos católicos".
"Chito"
Designado cardeal por Bento XVI, em 2012, Tagle é um dos 23 cardeais asiáticos que votam para eleger o pontífice. No total, há 135, mas dois não vão ao Vaticano por motivos de saúde. O continente só perde para a Europa (53) no número de eleitores. Além do arcebispo emérito de Manila, também conhecido pelo apelido de Chito, outros dois filipinos participam do conclave, ambos nomeados por Francisco.
As Filipinas concentram a maioria dos católicos da Ásia: são 93 milhões, o equivalente a 76,7% dos fiéis do continente. Em segundo lugar está a Índia, com 23 milhões de crentes. Para Michele Dillon, os cardeais deveriam "considerar seriamente a crescente importância geográfica dos católicos asiáticos e africanos".
Porém, a socióloga reconhece que, mesmo com mais eleitores não europeus no conclave, como resultado das nomeações do Francisco, não há garantias de que o próximo papa será, novamente, do sul global. "Diferenças culturais, e na percepção da cultura, podem fazer com que alguns cardeais, especialmente os do Hemisfério Norte, hesitem em decidir qual região/candidato papal deve ter precedência no avanço das prioridades multifacetadas da Igreja em questões pastorais, doutrinárias e geopolíticas."
Em 2019, durante uma cúpula do Vaticano, Tagle, que foi escolhido por Francisco para chefiar a Congregação para a Evangelização dos Povos, falou sobre o abuso infantil. "Nossa falta de resposta ao sofrimento das vítimas, e até mesmo ao ponto de rejeitá-las e de encobrir o escândalo para proteger os perpetradores e a instituição (...) tem ferido nosso povo, deixando uma ferida profunda em nosso relacionamento com aqueles que fomos enviados para servir", disse. O combate a crimes sexuais dentro da Igreja foi apontado pelos cardeais, no início da semana, como prioridade para o próximo pontífice.
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Na Ásia, o número de católicos está crescendo, embora menos do que na África. Um papa asiático pode ser esperado em breve?
Os papas são selecionados principalmente por sua capacidade de liderar e guiar a Igreja. A representação geográfica e cultural é um fator, mas não o principal. Nada impede que um papa asiático com as qualidades pessoais e a experiência necessárias seja eleito, mas o fato de alguém ser da Ásia não aumenta suas chances. Todos os especialistas do Vaticano estão dizendo agora que os cardeais parecem estar inclinados a eleger outro italiano, a fim de ajudar a resolver alguns dos problemas istrativos no Vaticano, o que deve ser uma das primeiras tarefas do novo papa. Um papa asiático poderia fazer isso, é claro, mas a cultura burocrática do Vaticano é italiana.
Como a Igreja Asiática lida com questões como abençoar casais do mesmo sexo e acolher a comunidade LGBTQIA+?
Não existe uma "Igreja Asiática" propriamente dita, visto que esse vasto continente inclui tantas culturas e situações políticas diferentes. Dito isso, em muitos países asiáticos, os católicos são minoria (embora o número total de católicos asiáticos seja elevado), e muitos deles enfrentam perseguição e marginalização. Nessas circunstâncias, as questões LGBTQIAPN+ não são a principal preocupação da Igreja — a sobrevivência é. Em alguns países asiáticos, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é legal, enquanto em outros, pessoas que se sentem atraídas por pessoas do mesmo sexo enfrentam marginalização e morte. Muitas culturas asiáticas são tradicionais em suas atitudes em relação ao casamento, à procriação e à sexualidade, e a Igreja nesses países seguirá as normas culturais.
Dadas as grandes diferenças culturais com o Ocidente, quais são os principais desafios da evangelização na Ásia?
Novamente, assim como não existe uma "Igreja Asiática" única, não existe uma "Ásia" única — o continente é uma realidade ampla demais para ser pensado em termos monoculturais e simplistas. Na China, o problema é a relação com o regime comunista; na Índia, a evangelização é desafiada pelo nacionalismo hindu e por uma espécie de pluralismo religioso em que todas as crenças são iguais. As tradições religiosas japonesas tendem amplamente ao budismo não teísta e ao xintoísmo localizado, o que significa que transmitir a ideia de um Deus que é Trindade é um verdadeiro esforço de comunicação entre línguas. O islamismo varia enormemente em sua tolerância ao cristianismo — e todas as vertentes do islamismo estão presentes. Em todos os lugares, uma dificuldade fundamental na evangelização asiática é a crença cristã de que Deus é Trindade e que Jesus é plenamente humano e plenamente divino. E eu diria que, embora muito progresso tenha sido feito, o cristianismo para alguns asiáticos — embora certamente não para todos – tem uma face ocidental. E algumas partes da Ásia que são mais urbanas e globalizadas são cada vez mais marcadas pelo individualismo e materialismo ocidentais, levando à indiferença religiosa.
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