CONFLITO ARMADO

Ignorado pelo mundo, conflito no Congo matou mais de 7 mil pessoas desde janeiro

Último levante oficial da ONU, realizado antes da tomada da capital de Kivu do Sul pelo grupo rebelde M23, apontava pelo menos 2,9 mil mortes desde o início do ano. Novo número foi dado por primeira-ministra congolesa em reunião da organização internacional

Membro do grupo M23 em 23 de fevereiro de 2025: crise com rebeldes se agrava -  (crédito: Michel Lunanga/AFP)
Membro do grupo M23 em 23 de fevereiro de 2025: crise com rebeldes se agrava - (crédito: Michel Lunanga/AFP)

A primeira-ministra da República Democrática do Congo (RDC), Judith Suminwa Tuluka, afirmou, na última segunda-feira (24/2), que o conflito que ocorre no leste do país, provocado pelo grupo antigovernamental congolês Movimento 23 de Março (M23), matou mais de 7 mil pessoas desde janeiro. O pronunciamento ocorreu em reunião do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra.

“A situação de segurança no leste da RDC atingiu níveis alarmantes”, afirmou Tuluka, de acordo com a agência de notícias -Presse. Segundo ela, os mais de 7 mil “compatriotas” que morreram desde o início do conflito ainda não foram todos identificados, mas haveria, entre eles, “proporção significativa de civis”.

O grupo rebelde M23, que o governo da RD Congo afirma ser apoiado por Ruanda, tomou o controle de duas localidades importantes do leste da RDC: primeiro Goma, principal cidade do leste do país e capital da província de Kivu do Norte, no fim de janeiro; e depois Bukavu, capital de Kivu do Sul, em 16 de fevereiro.

Até o último levante oficial da ONU que ocorreu antes da tomada de Bukavu — haviam sido reportadas pelo menos 2,9 mil mortes e mais de 500 mil deslocamentos desde o início do ano.

Embora o organismo internacional esperasse uma migração máxima de 58 mil congoleses em direção ao Burundi em três meses, quase 42 mil pessoas fugiram em apenas duas semanas para o país vizinho a RDC e Ruandaa fim de escapar da violência que assola o leste congolês. O alto comissariado para refugiados da ONU, Acnur, informou que se trata maior fluxo de refugiados da RD Congo em direção ao território burundiano em 25 anos.

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Em nota publicada no site oficial da agência em 18 de fevereiro, o porta-voz Matthew Saltmarsh afirmou que essas pessoas — cerca de 80 por dia vindas de Kivu do Sul — chegam a Burundi “exaustas e traumatizadas, muitas delas separadas de seus familiares e sem informações sobre seu paradeiro”.

Segundo o Acnur, o número de refugiados em direção a território burundiano deve aumentar à medida que o M23 se aproxima da cidade congolesa de Uvira, próxima à fronteira oficial entre os dois países. Outros 15 mil congoleses fugiram para outros países vizinhos desde janeiro — 13 mil para Uganda.

  • Milhares de pessoas atravessaram da República Democrática do Congo ao Burundi nos últimos dias, a fim de fugir da violência no leste congolês
    Milhares de pessoas atravessaram da República Democrática do Congo ao Burundi nos últimos dias, a fim de fugir da violência no leste congolês UNHCR/Bernard Ntwari
  •  A Rwandan police officer stands guard at the border crossing after Congolese families displaced by ongoing clashes in eastern Democratic Republic of Congo returned to the country, following the takeover of the Congolese city of Bukavu by M23 movement, at the Rusizi 1 border post in Cyangugu on February 17, 2025. Columns of M23 fighters allied with Rwandan troops on February 16, 2025 entered the centre of another key city in the eastern Democratic Republic of Congo as the African Union highlighted growing fears that the strife-torn country could break up.
Scores of people have fled since the fighters reached outlying districts of Bukavu, capital of South Kivu province, on February 14, 2025. It was barely defended by the Congolese armed forces (FARDC).
The fall of the city of one million people gives the M23 total control of Lake Kivu, following its capture of Goma, capital of neighbouring North Kivu province, at the end of January 2025. (Photo by Luis TATO / AFP)
      Caption
    A Rwandan police officer stands guard at the border crossing after Congolese families displaced by ongoing clashes in eastern Democratic Republic of Congo returned to the country, following the takeover of the Congolese city of Bukavu by M23 movement, at the Rusizi 1 border post in Cyangugu on February 17, 2025. Columns of M23 fighters allied with Rwandan troops on February 16, 2025 entered the centre of another key city in the eastern Democratic Republic of Congo as the African Union highlighted growing fears that the strife-torn country could break up. Scores of people have fled since the fighters reached outlying districts of Bukavu, capital of South Kivu province, on February 14, 2025. It was barely defended by the Congolese armed forces (FARDC). The fall of the city of one million people gives the M23 total control of Lake Kivu, following its capture of Goma, capital of neighbouring North Kivu province, at the end of January 2025. (Photo by Luis TATO / AFP) Caption Luis TATO/AFP
  •  M23 combattants stand guard at the North-Kivu Governorate in Goma on February 6, 2025. Rwandan-backed M23 said Thursday it wanted to
    M23 combattants stand guard at the North-Kivu Governorate in Goma on February 6, 2025. Rwandan-backed M23 said Thursday it wanted to "liberate all of the Congo" in its first public meeting since seizing the eastern city of Goma after deadly clashes, as its fighters advanced towards another regional capital. After capturing Goma, the main city in North Kivu province, last week, the M23 and Rwandan troops launched a new offensive on Wednesday in a neighbouring province. (Photo by ALEXIS HUGUET / AFP) Caption AFP

De maioria tutsi, o M23 diz que deseja “libertar toda” a RD Congo, a fim de proteger a etnia, e “expulsar” o presidente congolês, Felix Tshisekedi. Ruanda nega que tenha tropas mobilizadas no país vizinho em apoio ao grupo armado, embora autoridades congolesas denunciem a presença de mais de 4 mil soldados ruandeses no leste da RDC.

Embora a RD Congo acuse Ruanda de querer controlar uma área rica em ouro e minerais indispensáveis para o setor tecnológico, a nação comandada por Paul Kagame diz garantir a própria segurança ao ter como objetivo erradicar grupos armados na região — em especial as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR), formadas por hutus responsáveis pelo genocídio tutsi em 1994 e supostamente apoiadas pelo governo de Tshisekedi.

Entenda o conflito no leste da RD Congo

A fronteira entre República Democrática do Congo e Ruanda sofre com conflitos e violências históricas, que culminaram em um genocídio da etnia tutsi em Ruanda, em 1994. Desde então, rivalidades regionais, disputas étnicas e combates entre grupos armados foram agravados nos territórios próximos à divisa e ocorrem por mais de 30 anos. 

Desde que ressurgiu, em 2021, o grupo antigovernamental de maioria tutsi M23, da RD Congo, vive em confronto com o exército do próprio país e tomou diversos territórios congoleses. No fim de janeiro deste ano, o conflito se intensificou e contou, de acordo com autoridades congolesas, com a entrada de mais de 3 mil soldados de Ruanda. 

Oficialmente, o grupo rebelde — que já havia tomado Goma no fim de 2012, antes de ser derrotado por forças congolesas e pela ONU em 2013 — rejeita o apoio de Ruanda e se apresenta como um movimento nacional com o objetivo de derrubar o governo do atual presidente da RDC.  

O governo ruandês também nega controle sobre o M23 e qualquer envolvimento militar no conflito. A missão da ONU na RD Congo — a ‘Monusco —, porém, alerta para o risco de os combates reacenderem conflitos étnicos que remontam à época do genocídio, em que 800 mil pessoas foram mortas. 

Em julho do ano ado, RDC e Ruanda haviam assinado um acordo de cessar-fogo. O tratado de paz definitivo, que seria assinado em dezembro, porém, nunca saiu do papel, pois o presidente ruandês se recusou a participar de cúpula organizada por Angola para selar o fim dos conflitos que reascenderam há cerca de quatro anos. 

Lara Perpétuo
postado em 25/02/2025 21:35
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