GUERRA

Gravação revela pedido de ajuda desesperado de palestina de 6 anos

Hind Rajab, de 6 anos, foi ouvida pela última vez em grave perigo há uma semana. Sua família não sabe o que aconteceu com ela.

Menina de 6 anos relatou que familiares dela tinham sido mortos e momentos depois a linha ficou muda -  (crédito: Rajab family)
Menina de 6 anos relatou que familiares dela tinham sido mortos e momentos depois a linha ficou muda - (crédito: Rajab family)
Hind Rajab
Rajab family
Menina de 6 anos relatou que familiares dela tinham sido mortos e momentos depois a linha ficou muda

A voz do outro lado da linha era baixa e fraca. Era uma criança de 6 anos, sussurrando em um celular em Gaza.

"O tanque está perto de mim. Está se movendo."

Sentada no centro de atendimento de emergência do Crescente Vermelho Palestino, Rana tentou manter a voz calma.

"Está muito perto?"

"Muito, muito", respondeu a voz. "Você vem me buscar? Estou com muito medo."

Não havia nada que Rana pudesse fazer exceto manter a conversa.

Hind Rajab, de 6 anos, ficou presa sob fogo cruzado na cidade de Gaza e implorava por ajuda, escondida dentro do carro de seu tio, cercada pelos corpos de seus familiares.

A voz de Rana era seu único elo frágil com um mundo familiar.

Hind havia saído de sua casa na cidade de Gaza naquele dia com o tio, tia e cinco primos.

Era segunda-feira, dia 29 de janeiro. Naquela manhã, o Exército israelense disse às pessoas para deixarem as áreas no oeste da cidade e seguirem para o sul, ao longo da estrada costeira.

A mãe de Hind, Wissam, lembra que houve bombardeios intensos na região. “Ficamos apavorados e queríamos fugir”, disse ela. “Estávamos fugindo de um lugar para outro, para evitar os ataques aéreos”.

A família decidiu ir para o Hospital Ahli, na zona leste da cidade, na esperança de que fosse um local mais seguro para se abrigar.

Wissam e o filho mais velho começaram a caminhar até lá sozinhos. Hind conseguiu um lugar no carro do tio, um Kia Piccanto preto.

“Estava muito frio e chuvoso”, explicou Wissam. "Eu disse a Hind para ir no carro porque não queria que ela ficasse na chuva."

Assim que o carro partiu, disse ela, eles ouviram tiros vindos da mesma direção.

Segundo relatos, enquanto o tio de Hind dirigia em direção à Universidade al-Azhar, o carro se deparou inesperadamente com tanques israelenses. Eles pararam em um posto de gasolina por segurança e foram supostamente atacados.

Dentro do veículo, a família pediu ajuda a familiares. Um deles entrou em contato com o quartel-general de emergência do Crescente Vermelho Palestino, a 80 km de distância, na Cisjordânia ocupada.

Eram agora por volta das 14h30 do horário local (9h30 no horário de Brasília): os operadores do call center do Crescente Vermelho em Ramallah ligaram para o número do celular do tio de Hind, mas a filha dele de 15 anos, Layan, foi quem atendeu.

Na ligação gravada, Layan diz à equipe do Crescente Vermelho que os pais e irmãos foram mortos e que há um tanque ao lado do carro. “Eles estão atirando em nós”, diz ela, antes que a conversa terminasse com o som de tiros e gritos.

Quando a equipe do Crescente Vermelho liga de volta, é Hind quem atende, com a voz quase inaudível, tomada pelo medo.

Logo fica claro que ela é a única sobrevivente no carro e que ainda está na linha de fogo.

“Esconda-se debaixo dos assentos”, orienta a equipe. "Não deixe ninguém ver você."

A operadora Rana Faqih permaneceu na linha com Hind por horas, enquanto o Crescente Vermelho apelava ao Exército israelense para permitir que a ambulância deles tivesse o ao local.

“Ela estava tremendo, triste, pedindo ajuda”, lembrou Rana. "Ela nos disse que (os familiares dela) estavam mortos. Mas depois ela os descreveu como 'dormindo'. Então dissemos a ela 'deixe-os dormir, não queremos incomodá-los'."

Hind continuou pedindo, repetidamente, que alguém fosse buscá-la.

“A certa altura, ela me disse que estava escurecendo”, contou Rana à BBC. "Ela estava com medo. Ela me perguntou a que distância ficava minha casa. Eu me senti paralisada e inútil."

Três horas após o início da ligação, uma ambulância foi finalmente enviada para resgatar Hind.

Nesse ínterim, a equipe do Crescente Vermelho entrou em contato com a mãe de Hind, Wissam, e conectou a linha telefônica dela à chamada.

Ela chorou ainda mais quando ouviu a voz da mãe, lembra Rana.

“Ela me implorou para não desligar”, disse Wissam à BBC. "Perguntei a ela onde tinha sido ferida, depois a distraí lendo o Alcorão com ela e oramos juntas. Ela repetia cada palavra que eu dizia depois de mim."

Avô de Hind, Bahaa Hamada
BBC
O avô de Hind, Bahaa Hamada, disse que Hind falou sobre ter visto uma ambulância à distância

Já anoitecia quando a equipe da ambulância informou que estava se aproximando do local e prestes a ser revistada pelas forças israelenses.

Essas foram as últimas notícias recebidas sobre os dois paramédicos que faziam o resgate — e sobre Hind.

Depois disso, a linha para os dois socorristas e para a menina de 6 anos foi desconectada. Seu paradeiro é desconhecido.

O avô de Hind, Bahaa Hamada, disse à BBC que a ligação da menina com a mãe durou mais alguns momentos e que a última coisa que Wissam ouviu foi o som da porta do carro sendo aberta e Hind dizendo a ela que ela podia ver a ambulância à distância.

“A cada segundo, meu coração queima”, disse Wissam à BBC. "Cada vez que ouço o som de uma ambulância, penso: 'talvez seja ela'. Cada som, cada tiro, cada míssil caindo, cada bomba — me pergunto se está indo em direção à minha filha, se ela foi atingida."

Nem as equipes do Crescente Vermelho em Gaza, nem a família de Hind, conseguiram chegar ao local onde o carro foi visto pela última vez. A área ainda está dentro de uma zona de combate ativo controlada pelo Exército israelense.

“É difícil à noite”, diz Rana, a telefonista, “quando você acorda e ouve a voz dela em seu ouvido, dizendo 'venha e me pegue'".

Pedimos ao Exército israelense detalhes sobre suas operações na área naquele dia e sobre o desaparecimento de Hind e da ambulância enviada para resgatá-la. Questionamos as autoridades novamente 24 horas depois do primeiro contato, mas eles disseram que ainda estavam verificando os fatos.

“Onde está o Tribunal Internacional de Justiça? Por que os presidentes estão sentados em suas cadeiras?”, a mãe de Hind, Wissam, questionou.

Uma semana depois do desaparecimento da filha, Wissam fica sentada e espera no hospital Ahli, dia após dia, preenchendo a ausência com a esperança resoluta de que Hind será trazida de volta e com vida.

“Trouxe coisas para ela e estou esperando aqui”, disse. “Estou esperando minha filha a qualquer momento, a qualquer segundo. Estou implorando com o coração partido de mãe para não esquecerem essa história.”

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BBC
Lucy Williamson - Da BBC News
postado em 06/02/2024 06:49 / atualizado em 06/02/2024 08:20
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