Câmbio

Real lidera desvalorização entre moedas de países emergentes

Com quedas acumuladas, desde janeiro, de quase 11%, o dinheiro brasileiro é o que mais tem perdido valor este ano

Analistas avaliam que a montanha-russa de emoções da Bolsa deve continuar ao longo do ano -  (crédito: PublicDomainPictures por Pixabay)
Analistas avaliam que a montanha-russa de emoções da Bolsa deve continuar ao longo do ano - (crédito: PublicDomainPictures por Pixabay)

Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltar a criticar o titular do Banco Central, Roberto Campos Neto, nesta sexta-feira (21), o dólar acabou desvalorizando no fechamento, cotado a R$ 5,44, com queda de 0,39% em relação ao dia anterior. Contudo, o real é a moeda emergente que mais perdeu valor no ano, com perdas acumuladas desde janeiro de quase 11%, conforme dados levantados pela RB Investimentos a pedido do Correio.

Analistas avaliam que a montanha-russa de emoções da Bolsa deve continuar ao longo do ano, mesmo com o alívio de ontem, quando o Índice Bovespa (IBovespa) voltou a ficar acima de 121 mil pontos. Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, destacou que o real segue desvalorizado, em grande parte, por conta das incertezas no mercado doméstico e, nesse sentido, as falas de Lula ajudam a piorar o quadro. "O dólar registrou valorização de 0,26% em relação à maior parte das moedas, conforme os dados do índice DXY. Foi uma semana de leve valorização do dólar contra a maior parte das moedas, mas, em relação ao real, a divisa norte-americana subiu 1,49%", explicou. Segundo ele, a tendência é de o real seguir a direção do dólar, desvalorizando mais em momentos de stress e valorizando menos em momentos de calma internacional. "Todo o ataque de Lula ao Banco Central provoca dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida pública e sobre a leniência com a inflação, o que enfraquece a moeda brasileira, e, consequentemente, diminui o fluxo de capital estrangeiro ao país", destacou.

Na quarta-feira (20), o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC manteve a taxa básica da economia (Selic) em 10,50% ao ano, na contramão das pressões do petista que fez ataques fortes contra Campos Neto às vésperas da reunião do colegiado. No comunicado, o Comitê reforçou a preocupação com a questão fiscal, que tem piorado e contribuído para a desancoragem das expectativas de inflação. "Faz sentido o mercado acalmar um pouco no curto prazo depois de quarta-feira, mas os riscos permanecem todos elevados no fiscal e sobre o novo BC. Essa pressão no câmbio tende a continuar no segundo semestre", destacou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos e especialista em contas públicas, lembrou que, a decisão unânime do Copom pela manutenção da taxa de juros, as reiteradas críticas de Lula seguiram adicionando volatilidade e contribuindo para a sustentação do real acima de R$ 5,40. "A entrega de um ajuste fiscal do lado do gasto é fundamental para minimizar o prêmio de risco na curva de juros e desanuviar a pressão no câmbio, com efeito tanto sobre a desancoragem das expectativas quanto da própria projeção de inflação. Quanto mais tempo o real se mantiver depreciado, haverá pressão renovada sobre o Banco Central, que pode vir a ter que subir os juros caso a deterioração permaneça durante as próximas semanas", alertou.

Antes da decisão do Copom, o consenso do mercado era de que o ciclo de cortes da taxa Selic, iniciado em agosto de 2023, seria interrompido e a torcida era de um consenso na diretoria colegiada, para afastar temores de um afrouxamento no compromisso do BC de buscar manter a inflação - o pior de todos os impostos - dentro da meta.

Luis Leal, economista-chefe da G5 Partners, lembrou que, no comunicado do Copom após a decisão de manutenção da Selic, o Comitê buscou palavras que diminuíram "consideravelmente uma eventual retomada do processo de flexibilização monetária no curto prazo". Na avaliação dele, o mercado segue oscilando entre o mau humor com o governo e os preços dos ativos, se o chefe do Executivo continuar falando nos momentos errados.

Desânimo

"As falas do Lula, ontem, pioraram um pouco os preços dos ativos, mas nada que invertesse a tendência de melhora, pelo menos, até agora. O que desanima é que todo dia em que o mercado dá uma melhorada, o Lula vem e fala algo que põe tudo a perder", destacou Leal. Ao contrário da maioria dos analistas, ele ainda prevê a Selic encerrando o ano em 10% ao ano em vez de 10,50%. "Esse mesmo mercado entrou no ano achando que os juros iam ficar abaixo de 9% agora prevê a Selic em 10,50%. Se o Fed cortar os juros em setembro e o governo fizer algum movimento no sentido de cortar gastos, o sentimento dos agentes financeiros muda de novo. Mas, se nada disso ocorrer, aí não tem o que discutir, os juros vão ficar estáveis até o fim do primeiro trimestre de 2025", complementou.

Rafael Cardoso, economista-chefe do Departamento de Pesquisa Econômica do Banco Daycoval, acredita que é mais provável que o Fed comece a reduzir os juros apenas em dezembro, e, com isso, o Copom deverá voltar a cortar a Selic apenas a partir do segundo semestre de 2025, mesmo "não houver uma piora acentuada no quadro fiscal".

"Normalmente, nos momentos onde o cenário externo fica incerto, o mercado fica mais arisco com o país em relação ao fiscal e os problemas locais acabam sendo influenciados", afirmou. Para Cardoso, que prevê a inflação ainda abaixo de 4% nos próximos anos e a taxa Selic ando para 9,5%, no fim de 2025, e para 8,5%, no fim de 2026, o que importa mais do que as falas de Lula são os projetos que ele vai patrocinar. "Na campanha e no início do mandato, Lula fez discursos indesejáveis ao mercado financeiro, mas antes da posse e depois, ele patrocinou, na prática, as medidas defendidas pelo ministro Fernando Haddad (da Fazenda), até negociando e fazendo barganhas políticas questionáveis", ressaltou. Agora, depois de a medida provisória da compensação da desoneração da folha ter sido devolvida pelo Congresso, a dúvida que fica, na avaliação de Cardoso, é se Lula apoiará Haddad apenas no discurso ou continuará dando e às propostas defendidas pelo chefe da equipe econômica na tentativa de buscar algum equilíbrio fiscal. "O mercado ficará atento se Haddad ar a ter uma postura menos fiscalista do que a do ano ado ou perder o patrocínio de Lula, porque o cenário ficará mais preocupante", explicou.

Adversário político

O presidente Lula afirmou, ontem, que o presidente do BC "é um adversário político, ideológico e do modelo de governança". "Estamos com um problema sério. Eu já fui eleito presidente há um ano e sete meses, e o presidente do Banco Central é um adversário político, ideológico e adversário do modelo de governança que nós fazemos. Ele foi indicado pelo governo anterior e faz questão de dar demonstração de que não está preocupado com a nossa governança, ele está preocupado com o que ele se comprometeu", disse o petista em entrevista à rádio maranhense Mirante News.

Lula também lamentou a decisão do Copom, que foi unânime - incluindo os quatro indicados por ele na diretoria do BC composta por nove economistas - e lembrou que o mandato de Campos Neto termina no fim deste ano, um dos motivos de a tensão no mercado financeiro ter aumentado, pois a expectativa é que o presidente escolha alguém que não seja ortodoxo e seja mais leniente com a inflação do que o atual chefe do BC, ou seja, um pombo em vez de um falcão no jargão dos economistas. "Estamos chegando no momento de trocar o presidente do BC, nós vamos ter que tirar ele, indicar outras pessoas, e acho que as coisas vão voltar à normalidade, porque o Brasil é um país de muita confiabilidade", disse Lula minimizando a tensão no mercado.

Bolsa recupera os 121 mil pontos

A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) fechou a semana no azul, alta de 0,74%, nesta sexta-feira (21), em relação à véspera, 121.341 pontos, recuperando o patamar de 121 mil pontos, perdido nos últimos dias. Com os novos ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao titular do Banco Central, Roberto Campos Neto, o Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da B3, chegou a atingir a mínima de 120.061 pontos, com queda de 0,32%, mas fechou no azul embalado pelo otimismo dos investidores com a Petrobras, que tem um dos maiores pesos no indicador.

O volume de negócios da B3, ontem, girou em torno de R$ 30,8 bilhões. No mês, o IBovespa ainda acumula desvalorização de 0,62%. No acumulado do ano até sexta-feira, o recuo do IBovespa foi de 9,57%.

De acordo com Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, a fala de Lula de que o governo "vai explorar a Margem Equatorial" ajudou a puxar a Bolsa para cima, porque há uma expectativa de que haverá mais pressão para o projeto da Petrobras em buscar aumento de produção de petróleo no litoral norte do país como forma de manter a autossuficiência no abastecimento do combustível no mercado doméstico. "Como a Petrobras é um dos maiores pesos do IBovespa, isso ajudou o mercado de ações. A questão da Margem Equatorial virou uma queda de braço entre praticamente todos os ministérios do governo e o do Meio Ambiente (chefiado pela ministra Marina Silva)", disse.

Na mesma entrevista em que criticou Campos Neto, Lula voltou a defender a exploração de petróleo na Margem Equatorial. O chefe do Executivo disse, porém, que é preciso fazer a medição da área e confirmar se há riqueza e qual a quantidade a ser explorada. "Vamos explorar a margem. Por enquanto, não é explorar, queremos fazer uma medição para saber se tem e qual a quantidade de riqueza que tem lá embaixo. E, se tiver, temos a Petrobras, a empresa de maior competência tecnológica para explorar petróleo em águas profundas", disse em entrevista à rádio Mirante News, em São Luís.

O chefe do Executivo disse ainda que a Petrobras possui competência tecnológica para explorar petróleo em águas profundas e itiu novamente que a medida vai na contramão da transição energética.

"Não houve um incidente da Petrobras na exploração do pré-sal. São 575 quilômetros da margem da Amazônia, então nós vamos ter o cuidado que temos que ter. Nós vamos estudar nosso pré-sal na Margem Equatorial, pode ter certeza que vamos estudar isso", afirmou. "E se tiver, nós temos uma coisa que é o seguinte: a nossa Petrobras é uma empresa de maior competência tecnológica para explorar petróleo em águas profundas", acrescentou.

Na entrevista, Lula alegou também que a área não está perto da Amazônia como alguns dizem. "Agora, quando você fala da Margem Equatorial, o pessoal fala: 'mas é perto da Amazônia'. É o seguinte: está a 575 km da margem do Amazonas. Ou seja, uma distância enorme e a gente vai fazer isso, primeiro certificar como vai explorar e quais são os cuidados que nós temos que ter", concluiu.

ECO-Dolar
ECO-Dolar (foto: Valdo Virgo)

 

 

 

 

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postado em 22/06/2024 04:32
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