Luto

Sebastião Salgado aparece de corpo inteiro no documentário "O sol da Terra'

No filme O sal da terra, documentário selecionado para o Oscar de 2015, a ser exibido hoje no canal Curta!, Sebastião Salgado aparece de corpo inteiro

Juliano Ribeiro Salgado, codiretor de O Sal da Terra -  (crédito: André Violatti/Esp.CB)
Juliano Ribeiro Salgado, codiretor de O Sal da Terra - (crédito: André Violatti/Esp.CB)

Na dualidade de "paraíso e inferno", Sebastião Salgado imantou uma obra eterna: a abundância da natureza deslizando, sob a afiada lâmina do mundo consumista e da violência humana, permearam sua obra. Luz e escuridão, além da persistência do deslocamento a pontos recônditos e selvagens, balizaram as imagens que eternizou. O cinema, por extensão, se valeu desta obsessão de Salgado, como registrado em O sal da Terra, documentário selecionado para o Oscar de 2015, conduzido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, filho do mestre. Vencedor do prêmio César, o documentário faturou prêmio especial no Festival de Cannes (2014). À época da badalação para o Oscar, Juliano conversou com o Correio sobre o pai, sempre chamado de Tião. "Via meu pai como um porta-voz de muita gente que não podia tê-la. Para mim, ele sempre foi um homem completo, por atuar nisso", destacou.

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A percepção de alguns de um dueto desequilibrado entre o trabalho de Salgado e sua estética junto a marginalizados também foi tema da conversa com a reportagem, ao que Juliano pontuou: "Meu pai sempre teve dificuldade de aceitar essa crítica: é uma crítica injusta, quando a gente vê os objetivos dele e sabe que ele não sai por aí roubando fotografias, mas que ele cria relações e tem responsabilidade. Do meu ponto de vista, é uma questão superada. O público hoje é muito mais maduro para fazer diferenciações de críticas surgidas há mais de 20 anos"

Imagens dantescas de infanticídio e de países arrasados como o Kwait; eios rumo ao Oceano Ártico e o testemunho de culturas mixes (México), zo'é (Brasil) e saraguros (Equador) desgastaram, a dado ponto, Salgado que gerou ime junto à profissão como revela o filme (a ser exibido no Canal Curta!, hoje, às 13h30, e, domingo, às 20h30). Grosso modo, o atrito com a "espécie terrível" (o homem), feriu os olhos do profissional, cuja reinvenção do olhar dá material para o longa de Wenders e Juliano. A "alma doente" — como Salgado grafou — veio com o vislumbre da seca no Níger e da fome convulsiva presente na região de Sahel e na Etiópia. O cotidiano dos sem-terra brasileiros também o abalaram.

Sebastião Salgado não apenas reeducou o olhar dos espectadores, mas atingiu em cheio quem contou com sua convivência, caso da cineasta Betse de Paula, que, em 2013, esteve na abertura do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro para exibir o primeiro documentário dela, Revelando Sebastião Salgado. "Ele ancestralizou, mas sua visão permanece viva em cada imagem que nos deixou", sintetiza a cineasta, em depoimento para o Correio.

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"Com ele, tive convivência marcante. Sebastião foi um dos grandes humanistas do nosso tempo. Tive a honra de conhecê-lo, de ser recebida em sua casa com generosidade. Ele tinha um coração enorme. Sua lente, seu olhar e sua escuta revelaram ao mundo a dignidade dos trabalhadores, a força das comunidades em deslocamento, a beleza e a fragilidade das Américas e do planeta", avaliou.

Conscientização e solidariedade foram das bandeiras do fotógrafo que capturou a atenção de ecologistas natos como o diretor brasileiro indicado ao Oscar Fernando Meirelles (Cidade de Deus), que afirma em conciso depoimento ao Correio: "Salgado foi generosidade, desprendimento e foco". O consagrado diretor de Ensaio sobre a cegueira e Dois Papas produziu documentários sobre o mestre da imagem.

Produtor executivo do documentário Blue carbon (de Nicolas Brown), em torno da relação entre consumo de carbono e a natureza marinha e de The great green wall (2019), que cerca a crise climática e os reflexos na África, Meirelles tinha por afinidade com Salgado a causa ecológica e os estudos sobre a região amazônica, além do ideal por produtividade industrial, sob minimizado impacto ambiental.

Em 2016, Meirelles reafirmou a iração incondicional por Salgado, que, com ele, fez dobradinha de palestra, em Brasília, na Assembleia da Rede de Fundos Ambientais da América Latina e Caribe. "O clima ocupa até a nona posição das minhas prioridades e, depois, penso no resto. Cinema está no 55º lugar", brincou à época. Junto com o filho de Salgado (Juliano), ele dirigiu breve filmete que teve narração de Maria Fernanda Cândido e fotografias de Sebastião Salgado. No âmago do curta, estava o equilíbrio entre potências naturais e aproveitamento econômico.

Enquanto Salgado, pelo exemplo, impulsionou metas de Meirelles, como no desenvolvimento de conceitos como agrofloresta e a aplicação de métodos para uma fazenda autossustentável (no caso do diretor, na paulista Rifaina), entre outros colegas de lida com imagens, Salgado foi pura inspiração. Diretor de filmes como Nunca fomos tão felizes (1984) e do longa sobre degradação ambiental Uma baía (2024), Murilo Salles despontou nas artes como diretor de fotografia de longas como Dona Flor e seus dois maridos (1976) e Lição de amor (1975). Artífice da imagem, Salles conclui: "Sebastião Salgado foi o maior de todos no uso de toda a potência que um arquivo pode fornecer de beleza transcendente! Não tem para ninguém; não teve pra ninguém! Um mestre!".


 

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postado em 24/05/2025 06:00
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