
Pode ser no Clube do Choro, nas placas das superquadras, numa tesourinha, numa parada de ônibus e até numa caixa de luz, as frases e poemas do Coletivo Transverso pregadas em forma de lambe (cartaz em papel) pela cidade carregam uma certa familiaridade para quem circula por Brasília. São pílulas de diálogo entre o ante e a cidade, elaboradas por pessoas que, um dia, deram-se conta de como o coletivo é transformador.
Criado em 2011 por Patrícia del Rey, Patricia Bagniewski e Cauê Maia, o Coletivo Transverso nasceu da vontade de colocar nas ruas poemas que dialogassem com a cidade e seus habitantes. De lá para cá, a formação mudou — saiu Patricia Bagniewski e entrou Rebeca Damian —, mas a proposta continuou a mesma, e todas as frases foram criadas em conjunto.
"A gente faz questão de não . Nossa é a própria estética, exatamente para as pessoas verem essas poesias como se fossem da própria cidade", explica Patrícia del Rey, uma baiana que chegou a Brasília na adolescência e ficou abismada com o modo de vida no Planalto Central.
"Para mim, era revolucionário ter uma cidade sem grades, com pessoas no meio da rua se encontrando. A gente, do coletivo, tem uma relação de afeto muito grande com a cidade, e de escuta também", diz. "E a gente recebe essa provocação da cidade, usa as paredes como páginas em branco para escrever esses poemas: a cidade é tema, tela e a própria obra."
Para a artista, a graça do lambe é ver Brasília movimentando-se por meio das frases, dos comentários, das pessoas que param para ler. "Aí a gente testa o que é arte, o que é política, o que é sonho e o que é concreto", garante. Uma das intenções dos lambes é romper com o ritmo burocrático e planejado, como se a poesia devolvesse a cidade àqueles que a habitam e a vivem. "Mas com olhar mais crítico, mais sensível e mais presente", avisa Patrícia. A arte do Transverso é um convite para a pausa, a reflexão e a participação ativa na paisagem.
Nascido em São Paulo, Cauê cursava mestrado em literatura na Universidade de Brasília (UnB) quando conheceu o Transverso. Na época, o artista fazia intervenções na rua misturando a aplicação de spray sobre stencil e haikai, um formato de poemas curtos em três versos. "Começamos fazendo poemas curtos e imagens em moldes vazados e saindo para aplicar com spray em Brasília. A proposta foi tomando corpo, e percebemos um desejo mútuo de incluir mais poesia na cidade", conta.
O artista acredita que a intervenção artística no meio urbano promove formas mais generosas e menos violentas de conviver no espaço público sem a mediação do dinheiro. "As pessoas podem até discordar, mas o convívio com o diferente e a possibilidade de transformar nossas realidades são elementos fundamentais da vida em sociedade", diz. Para ele, a arte instaura novas esferas de diálogo, novos usos sociais dos territórios compartilhados e novos desejos capazes de transformar o mundo em um lugar mais acolhedor e justo. "É parte de um sonho utópico e talvez irrealizável, mas capaz de evidenciar aquilo que precisamos mudar", acredita.
Educação
Além dos lambes com poesias, o Transverso também desenvolve um trabalho de arte-educação por meio de uma série de atividades. São oficinas realizadas periodicamente e abertas à comunidade para que todos criem, juntos, novas frases e poemas. Os mutirões são organizados para colar os pequenos cartazes pela cidade. "Nas oficinas, onde a gente conversa sobre a cidade, fazemos exercícios de escrita criativa e saímos andando pela cidade. Pedimos às pessoas para anotarem os sons ou o próprio observar delas, e isso vai sendo lapidado em conjunto", conta Patrícia. "Porque a potência do coletivo é ser uma voz múltipla."
Cauê encara a própria atuação como artista como um meio para dialogar com as pessoas que habitam a cidade. "Desde o início do nosso trabalho, a arte-educação foi uma das nossas principais atividades. Se meu desejo de expressão era uma motivação inicial, o desejo de compreender o outro e de instaurar novas superfícies de criação colaborativa no espaço público rapidamente se mostrou a parte mais potente do trabalho", garante.
Patrícia del Rey projeta o coletivo para o futuro da cidade. O Transverso veio, ela diz, para escrever a cidade. "E para olhar essa dramaturgia urbana que está acontecendo. A gente quer que Brasília continue sendo um espaço de criação que ajude na reinvenção da cidade. É uma cidade jovem que carrega muitos silêncios, mas esses silêncios incitam perguntas", acredita. Para ela, é importante que Brasília continue sendo escrita não pelos que mandam temporariamente, mas pelos que vivem diariamente o cotidiano dos eixos e das tesouras, pelos artistas, poetas e trabalhadores.
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