
Crítica // Mickey 17 ★★★★
É apostando na história de fracasso do jovem Mickey Barnes (Robert Pattinson, em papel diferenciado) que o diretor sul-coreano Bong Joon-Ho, o mesmo de Parasita, crava mais um filme com amplo potencial de sucesso: a ficção científica Mickey 17.
Qualquer pessoa sabe da mecânica dos jogos digitais: morreu? É hora de renascer?! E o jogador ganha mais uma vida. Esse é o norte de Mickey 17. Com um aparato de comunicação quebrado, em 2054, o protagonista, na primeira cena se encontra no congelante planeta de Niflheim, enterrado na neve, sob "sensação de ser um picolé". Mas, ele sabe que nunca morrerá. Ao longo da jornada, a pergunta mais recorrente feita para Mickey será: "Como é a sensação de morrer?". Isso porque, sistematicamente, ele a de uma vida para outra.
Baseado em texto de Edward Ashton, o diretor avança no enredo, sem nunca abrir mão da sensação de eterno recomeço. Mickey desfruta do marasmo de nunca lidar com a finitude. Num mundo em que um perverso governante, Kenneth Marshall (Mark Ruffalo, repetindo-se como no papel de Pobres criaturas), cria uma atmosfera muito artificial, amparado por tecnologia ultra-avançada, Mickey busca compensações fora da Terra, ao explorar o novo, em ciclo de vida que prevê a ida para uma comunidade no espaço. Nisso, estará acompanhado por Timo (Steven Yeun, de Minari) e a exemplar nova rica Ylfa (Toni Collette, em caricatura extrema).
A fotografia do novo filme é notável, uma obra de Darius Khondji (Bardo, falsa crônica de algumas verdades). Fundindo conceitos vistos no ditatorial 1984, em um filme com a magnitude à la Duna, tudo causa efeito. O mesmo diretor Denis Villeneuve, de Duna, é praticamente citado nas cenas de tradução de Mickey 17, por fazer lembrar de A chegada (filme de 2016). Bong-Joon Ho recicla o clima de ação futurista que ele mesmo instituiu em Okja (2017), de experimentos em torno de um porco modificado geneticamente. Há extrema interação entre os protagonistas e uns animais locais batizados de "rastejadores".
Tratando de seres descartáveis (com otimização de personagens, a cada versão criada numa impressora especial), o cineasta desenvolve elementos instigantes como o backup de personalidade e a dinâmica dos múltiplos (sim, Mickey terá que contracenar com suas chamadas versões 18 e 17). Um é sem sal, e outro é apimentado, o que traz certa graça. De policial a outras funções, a personagem Nasha (envolvida emocionalmente com Mickey) dá boa chance para Naomi Ackie, num filme em que se junta um grafismo muito bem realizado (quem esquecerá da "mão voadora, solta no espeço?") e um clima singular de gincana (entre os duplos de Mickey) e, de, quebra, uma sátira social.
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