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Ora capitã, ora maestrina: conheça Maria de Médicis, a diretora de "Beleza fatal"

Experiente diretora de teledramaturgia e ex-moradora de Brasília, Maria de Médicis comanda o sucesso de "Beleza fatal", novelão da Max chega nesta segunda-feira (10/3) à tevê aberta, pela Band, e fala sobre a necessidade de se ter mulheres nos postos de poder

Maria de Médicis, diretora -  (crédito: Catarina Ribeiro/Divulgação)
Maria de Médicis, diretora - (crédito: Catarina Ribeiro/Divulgação)

Sucesso no streaming internacional que chega, nesta segunda-feira (10/3), também à tevê aberta, na Band, Beleza fatal conquistou o Brasil com sua receita clássica de um grande novelão. Como capitã do projeto — de autoria de Raphael Montes e supervisão de texto de Silvio de Abreu — está a diretora Maria de Médicis, conhecida por seus trabalhos em novelas da TV Globo e séries da Netflix antes de ser contratada pela Max para a primeira incursão da plataforma ao gênero na América latina.

Maria começou sua carreira como atriz, com um único papel em Tieta (1989), que está sendo reprisada, mas logo se encaminhou para a direção. "Não considero ter tido nenhuma carreira como atriz. Já na escola de teatro, eu tinha decidido ir para a direção", afirmou ao Correio. Carimbada no ofício atrás das câmeras, assinou sucessos como JK (2006), Paraíso tropical (2007), Sangue bom (2013) e Rocky story (2016), deixou a Globo após 29 anos e foi convidada para substituir, no projeto da Max, a colega Joana Jabace, designada para outro projeto.

Para a diretora experiente, um dos maiores desafios foi achar o tom da novela inovadora. "Em termos de planejamento, foi achar como fazer essa novela de 40 capítulos, que era algo que não tinha sido feito no mercado ainda. E, artisticamente, o desafio foi a gente achar o tom da novela."

Aprendendo com os fracassos

O conceito de sucesso, para Maria de Médicis, é a conexão com o público e a capacidade de se comunicar por meio da história contada. "Sucesso é fazer com amor, com afeto, com alegria, é se comunicar, e conseguir que o lado de lá veja todo esse nosso amor com o trabalho, e com a história que quisemos contar", completou ela, que também experimentou o fracasso em outras produções. "Fracasso ninguém gosta de fazer, mas ensina muito para a gente. O líder de um projeto que não é um sucesso, que é um fracasso, ele precisa comandar aquele navio e não deixar afundar. É saber que mesmo que você esteja caminhando rumo a um iceberg, aquela tripulação precisa estar motivada e feliz", elabora a maestrina da orquestra, que seguiu tocando com dignidade os Titanics prestes a naufragar.

Um desses fracassos está relacionado à escalação de artistas brancos fazendo baianos em Segundo sol, novela que ela dirigiu em 2017, com o mestre Dênnis Carvalho. Ela reconhece que foi uma escolha infeliz e que abriu os olhos para a importância da representatividade no elenco. "Não precisava ter acontecido isso, mas, pelo menos, abriu-se um pouco os olhos das pessoas de que era impraticável você ter um elenco branco, muito pior sendo um elenco de uma história na Bahia, mas em qualquer lugar, isso não representa o Brasil", ite. 

Para as direções de cenas íntimas, mais erotizadas, como ocorre em Beleza fatal, na opinião de Maria de Médicis, o olhar feminino traz mais sensibilidade à cena. "Eu vou 'puxar a sardinha' para o meu lado e para o da mulherada: eu acho que a gente tem um olhar mais sensível, sim. Tem homens que fazem cenas íntimas maravilhosas, mas acho que a gente tem um olhar diferente, talvez menos infectado pelo que os homens foram obrigados a fazer pela vida", argumenta a diretora, que endossa o coro de que o machismo estrutural ainda é uma realidade que reduz o número de mulheres no posto de comando. "Quando a gente chega lá, eles não seguram a gente, não! Mas a gente precisa chegar lá", conclui.

Filha de diplomata, Maria de Médicis viveu em Brasília dos 7 aos 18 anos, entre 1976 e 1988. Ela lembra com saudades da época em que era uma "candanga" e viveu o auge do Rock Brasília. "Namorei o baixista da Plebe Rude, era daquela turma toda da Legião Urbana, da Capital Inicial, fui embora chorando, eu não queria ir embora de jeito nenhum", recorda a diretora, que sente saudades da Pizza Dom Bosco e das aventuras da patota dela em locais icônicos da capital, como as cúpulas do Congresso Nacional. "Nossa, deu muita saudade, não vou a Brasília há pelo menos 10, 15 anos, eu acho", lamentou maria, que morou a maior parte do tempo entre a 213 e a 316 da Asa Sul. 

 

 

Maria de Médicis, diretora de "Beleza fatal"
Maria de Médicis, diretora de "Beleza fatal" (foto: Catarina Ribeiro/Divulgação)

Entrevista | Maria de Médici, diretora artística

 
Como foi a sua transição de frente para trás das câmeras?
Eu diria que o meu ‘de frente para as câmeras’ praticamente não existiu. Eu só fiz Tieta, com uma das Rolinhas do Coronel Artur da Tapitanga (Ary Fontoura). Eu estudei para ser atriz na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), mas já na escola de teatro, eu tinha decidido ir para a direção. Tanto que eu saí da escola de teatro diretamente para ser assistente de direção em teatro. Então, na verdade, não tive uma trajetória à frente das câmeras, só uma novela. Não considero ter tido nenhuma carreira como atriz. 
 
Qual a história do convite para você estar na direção de Beleza fatal, uma aposta tão alta da Max?
Fui convidada pela Mônica Albuquerque e pela Joana Jabace, que era responsável pelo projeto na época, mas que teve que sair por conta de um outro projeto. Elas me chamaram porque confiavam em mim, já haviam trabalhado comigo e queriam alguém que pudesse substituir a Joana a altura. Alguém que tivesse experiência, que, enfim, que tivesse talhada para aquele convite. E eu tinha muita vontade de trabalhar com o Rapha (Raphael Montes, autor), nos conhecíamos da vida e do samba. A gente sempre teve vontade de trabalhar um com o outro, então, foi desta forma.

Qual foi o maior desafio desde o início da jornada desse projeto?
Nossa! Foram tantos desafios... mas eu acho que, dividindo em duas partes, em termos de planejamento, foi achar como fazer essa novela de 40 capítulos, que era algo que não tinha sido feita no mercado ainda. Então, a gente tinha que entender como planejar, como fazer esse plano de filmagem, como fazer isso acontecer. E, artisticamente, o desafio foi a gente achar o tom da novela, que, como vocês podem ver, não é um tom completamente naturalista, tanto que a gente brinca e fala que é uma novela ‘botocada’. Então, achar esse tom, eu, junto com Rapha, com a Ana Kutner, preparadora de elenco, e com o elenco, foi um dos maiores desafios. Não só de interpretação, mas também do que compunha esse ambiente: o figurino, a arte, a cenografia, a fotografia. Achar esse tom da novela.
 
Você apanhou um pouco para se adaptar ao streaming após tantos anos fazendo tevê?
Não apanhei não. Eu sempre digo que set, na verdade, é igual em qualquer lugar. A gente tem características diferentes de processo, mas o set mesmo de filmagem, o trabalho com os atores, o trabalho com a minha equipe, é mais ou menos o mesmo. Não existem grandes diferenças. Não diria que apanhei, eu diria que eu fui abraçada. Eu mais tive carinho do que apanhei.
 

"Quando a gente chega lá, eles não seguram a gente não! Mas a gente precisa chegar lá."



De um modo geral, acredita que o machismo estrutural ainda é predominante na indústria televisiva a ponto de reduzir a liberdade criativa das mulheres em postos de comando?

A gente vive num mundo com machismo estrutural. Eu não acho que ele reduz a liberdade criativa das mulheres. Isso não acho.  Reduz sim o número de mulheres em posto de comando. Acho que a gente tem que ter mais mulheres em posto de comando. Quando a gente chega lá, eles não seguram a gente não! Mas a gente precisa chegar lá.

Acredita que para as direções de cenas íntimas, mais erotizadas, o olhar feminino traz mais sensibilidade ou mesmo conforto à cena?
Hoje em dia, o que eu acho que ajuda muito nas cenas íntimas são as coordenadoras de intimidade. Porque do momento que você tem alguém que ouve os meus anseios, o que eu imagino para aquela cena, como eu quero que aquela cena seja, como eu visualizo aquela cena, o clima que eu quero, me ouve, escuta os atores, o que eles se sentem confortáveis de fazer, e chegamos todos a uma conclusão, você tem um ambiente muito mais saudável para essas cenas íntimas. Eu vou "puxar a sardinha" para o meu lado e para o da mulherada: eu acho que a gente tem um olhar mais sensível, sim. Tem homens que fazem cenas íntimas maravilhosas, mas acho que a gente tem um olhar diferente, talvez menos infectado pelo que os homens foram obrigados a fazer pela vida. Sabe?

Você declarou em entrevista que está amando fazer sucesso. O que é sucesso para você?
Na verdade, o sucesso, para mim, é a gente ter conseguido se conectar com o público. É o público estar gostando da história que a gente contou. Então, para mim, sucesso é isso. É do encontro do que eu quis contar com eles ouvindo. É muito menos sobre mim do que sobre como essa obra se encontra com o público.

Você dirigiu Geração Brasil (uma novela castigada pela Copa do Mundo e incompreendida pelo público), Babilônia (uma novela problemática do início ao fim, sem trégua) e Segundo sol (que não foi um estouro, cumpriu o dever de casa, mas recebeu muitas críticas ao longo do percurso). Como é estar à frente de uma equipe, especialmente de atores, em meio a um projeto que amarga o fracasso?
Fracasso ninguém gosta de fazer. Ninguém vai falar: "Ai adoro fazer fracasso". Mas, como eu já disse, fracasso ensina muito para a gente. Eu acho que principalmente ensina a gente a lidar com a frustração, com o ego, com o nosso receber negativas, ensina também muito ao líder. O líder de um projeto que não é um sucesso, que é um fracasso, ele precisa comandar aquele navio e não deixar afundar. É saber que mesmo que você esteja caminhando rumo a um iceberg, aquela tripulação precisa estar motivada e feliz. Então isso eu aprendi muito com o meu mestre Dennis Carvalho à frente desses trabalhos, e por diferentes razões, eu acho que o que a gente conseguiu com elenco e equipe trabalhar com amor e alegria, mesmo sabendo que não estávamos fazendo um sucesso, mas pelo prazer de estarmos juntos. De sermos uma equipe que não abandonaria o navio. Então, o líder precisa imprimir um sentimento de: "vamos em frente e não vamos nos entregar". Vamos ser felizes com o que a gente tem aqui. Eu consigo achar felicidade em todos os trabalhos que eu faço. As vezes menos, às vezes mais, mas sempre tem algo que vai me deixar muito feliz por estar fazendo aquele projeto.
 

"O elenco de Segundo sol é uma coisa que jamais deveria ter acontecido. E a única coisa que eu acho é que graças a esse erro terrível abriu-se o olho."



Segundo sol levou pancada por conta da escalação de artistas brancos fazendo baianos. Hoje certamente o elenco seria outro (e Beleza Fatal, por exemplo, nos mostra isso), mas, àquela época, você reconhece que foi uma escolha infeliz da direção ou não era algo que preocupava?

Com certeza foi uma escolha infeliz. Não só da direção como de todos envolvidos nessa escalação. A escalação não é feita só pela direção. Isso é importante falar.  O elenco de Segundo sol é uma coisa que jamais deveria ter acontecido. E a única coisa que eu acho é que graças a esse erro terrível abriu-se o olho. E, hoje em dia, você vê que existe maior preocupação em ter representatividade no elenco. Não precisava ter acontecido isso, mas pelo menos abriu-se um pouco os olhos das pessoas de que era impraticável você ter um elenco branco, muito pior sendo um elenco de uma história na Bahia, mas em qualquer lugar, isso não representa o Brasil.

Como é se rever como atriz, lá no início, na reprise de Tieta?
Nossa, eu sou péssima atriz, né? Eu me odeio em Tieta. Me acho over, péssima. Ainda bem que eu desisti. (risos).

E o que Maria de Médicis tem feito atualmente? O que vem aí pela frente?
Eu estou lendo alguns projetos. Acho que tem algo que vai surgir em breve, mas nada que eu possa falar ainda. Sobre o que vem pela frente, espero que sejam muitos trabalhos feitos assim do jeito que eu gosto: com alegria, com muito amor e feitos com muita vontade. Para mim, quando você perguntou o que é sucesso, acho que sucesso talvez seja isso. É fazer com amor, com afeto, com alegria, é se comunicar, e conseguir que o lado de lá veja todo esse nosso amor com o trabalho e com a história que quisemos contar.
 
E qual é a sua história com Brasília?
Sou filha de diplomata. Vivi em Brasília dos 7 aos 18 anos, entre 1976 e 1988. Morei a maior parte do tempo entre a 213 e a 316 da Asa Sul. Eu era uma "candanga" e vivi o auge do Rock Brasília. Namorei o baixista da Plebe Rude, era daquela turma toda da Legião Urbana, da Capital Inicial, fui embora chorando, eu não queria ir embora de jeito nenhum. Sinto saudades da Pizza Dom Bosco e das aventuras em locais icônicos da capital, como as cúpulas do Congresso Nacional. Nossa, deu muita saudade, não vou a Brasília há pelo menos 10, 15 anos, eu acho.
 
 

 


Patrick Selvatti
postado em 09/03/2025 09:00 / atualizado em 10/03/2025 18:16
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