
Sucesso no streaming internacional que chega, nesta segunda-feira (10/3), também à tevê aberta, na Band, Beleza fatal conquistou o Brasil com sua receita clássica de um grande novelão. Como capitã do projeto — de autoria de Raphael Montes e supervisão de texto de Silvio de Abreu — está a diretora Maria de Médicis, conhecida por seus trabalhos em novelas da TV Globo e séries da Netflix antes de ser contratada pela Max para a primeira incursão da plataforma ao gênero na América latina.
Maria começou sua carreira como atriz, com um único papel em Tieta (1989), que está sendo reprisada, mas logo se encaminhou para a direção. "Não considero ter tido nenhuma carreira como atriz. Já na escola de teatro, eu tinha decidido ir para a direção", afirmou ao Correio. Carimbada no ofício atrás das câmeras, assinou sucessos como JK (2006), Paraíso tropical (2007), Sangue bom (2013) e Rocky story (2016), deixou a Globo após 29 anos e foi convidada para substituir, no projeto da Max, a colega Joana Jabace, designada para outro projeto.
Para a diretora experiente, um dos maiores desafios foi achar o tom da novela inovadora. "Em termos de planejamento, foi achar como fazer essa novela de 40 capítulos, que era algo que não tinha sido feito no mercado ainda. E, artisticamente, o desafio foi a gente achar o tom da novela."
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Aprendendo com os fracassos
O conceito de sucesso, para Maria de Médicis, é a conexão com o público e a capacidade de se comunicar por meio da história contada. "Sucesso é fazer com amor, com afeto, com alegria, é se comunicar, e conseguir que o lado de lá veja todo esse nosso amor com o trabalho, e com a história que quisemos contar", completou ela, que também experimentou o fracasso em outras produções. "Fracasso ninguém gosta de fazer, mas ensina muito para a gente. O líder de um projeto que não é um sucesso, que é um fracasso, ele precisa comandar aquele navio e não deixar afundar. É saber que mesmo que você esteja caminhando rumo a um iceberg, aquela tripulação precisa estar motivada e feliz", elabora a maestrina da orquestra, que seguiu tocando com dignidade os Titanics prestes a naufragar.
Um desses fracassos está relacionado à escalação de artistas brancos fazendo baianos em Segundo sol, novela que ela dirigiu em 2017, com o mestre Dênnis Carvalho. Ela reconhece que foi uma escolha infeliz e que abriu os olhos para a importância da representatividade no elenco. "Não precisava ter acontecido isso, mas, pelo menos, abriu-se um pouco os olhos das pessoas de que era impraticável você ter um elenco branco, muito pior sendo um elenco de uma história na Bahia, mas em qualquer lugar, isso não representa o Brasil", ite.
Para as direções de cenas íntimas, mais erotizadas, como ocorre em Beleza fatal, na opinião de Maria de Médicis, o olhar feminino traz mais sensibilidade à cena. "Eu vou 'puxar a sardinha' para o meu lado e para o da mulherada: eu acho que a gente tem um olhar mais sensível, sim. Tem homens que fazem cenas íntimas maravilhosas, mas acho que a gente tem um olhar diferente, talvez menos infectado pelo que os homens foram obrigados a fazer pela vida", argumenta a diretora, que endossa o coro de que o machismo estrutural ainda é uma realidade que reduz o número de mulheres no posto de comando. "Quando a gente chega lá, eles não seguram a gente, não! Mas a gente precisa chegar lá", conclui.
Filha de diplomata, Maria de Médicis viveu em Brasília dos 7 aos 18 anos, entre 1976 e 1988. Ela lembra com saudades da época em que era uma "candanga" e viveu o auge do Rock Brasília. "Namorei o baixista da Plebe Rude, era daquela turma toda da Legião Urbana, da Capital Inicial, fui embora chorando, eu não queria ir embora de jeito nenhum", recorda a diretora, que sente saudades da Pizza Dom Bosco e das aventuras da patota dela em locais icônicos da capital, como as cúpulas do Congresso Nacional. "Nossa, deu muita saudade, não vou a Brasília há pelo menos 10, 15 anos, eu acho", lamentou maria, que morou a maior parte do tempo entre a 213 e a 316 da Asa Sul.
Entrevista | Maria de Médici, diretora artística
Fui convidada pela Mônica Albuquerque e pela Joana Jabace, que era responsável pelo projeto na época, mas que teve que sair por conta de um outro projeto. Elas me chamaram porque confiavam em mim, já haviam trabalhado comigo e queriam alguém que pudesse substituir a Joana a altura. Alguém que tivesse experiência, que, enfim, que tivesse talhada para aquele convite. E eu tinha muita vontade de trabalhar com o Rapha (Raphael Montes, autor), nos conhecíamos da vida e do samba. A gente sempre teve vontade de trabalhar um com o outro, então, foi desta forma.
Qual foi o maior desafio desde o início da jornada desse projeto?
Não apanhei não. Eu sempre digo que set, na verdade, é igual em qualquer lugar. A gente tem características diferentes de processo, mas o set mesmo de filmagem, o trabalho com os atores, o trabalho com a minha equipe, é mais ou menos o mesmo. Não existem grandes diferenças. Não diria que apanhei, eu diria que eu fui abraçada. Eu mais tive carinho do que apanhei.
"Quando a gente chega lá, eles não seguram a gente não! Mas a gente precisa chegar lá."
De um modo geral, acredita que o machismo estrutural ainda é predominante na indústria televisiva a ponto de reduzir a liberdade criativa das mulheres em postos de comando?
Acredita que para as direções de cenas íntimas, mais erotizadas, o olhar feminino traz mais sensibilidade ou mesmo conforto à cena?
Você declarou em entrevista que está amando fazer sucesso. O que é sucesso para você?
"O elenco de Segundo sol é uma coisa que jamais deveria ter acontecido. E a única coisa que eu acho é que graças a esse erro terrível abriu-se o olho."
Segundo sol levou pancada por conta da escalação de artistas brancos fazendo baianos. Hoje certamente o elenco seria outro (e Beleza Fatal, por exemplo, nos mostra isso), mas, àquela época, você reconhece que foi uma escolha infeliz da direção ou não era algo que preocupava?
Como é se rever como atriz, lá no início, na reprise de Tieta?
E o que Maria de Médicis tem feito atualmente? O que vem aí pela frente?