Pesquisas alertam para os perigos dos microplásticos em animais e humanos

Estudos com animais e células humanas sugerem que microplásticos — substâncias praticamente onipresentes — podem elevar o risco de câncer colorretal e de pulmão. Especialistas recomendam a redução do consumo de descartáveis

Possíveis mecanismos que associam a exposição de longo prazo a microplásticos incluem inflamação crônica, estresse oxidativo e desregulação endócrina. Também há evidências de que os MPs danificam a mucosa do cólon -  (crédito: Universidade Estadual de Oregon/Divulgação )
Possíveis mecanismos que associam a exposição de longo prazo a microplásticos incluem inflamação crônica, estresse oxidativo e desregulação endócrina. Também há evidências de que os MPs danificam a mucosa do cólon - (crédito: Universidade Estadual de Oregon/Divulgação )

Com menos de 5mm — menor do que um grão de arroz — os microplásticos são onipresentes. A cada ano, empresas produzem, globalmente, 460 milhões de toneladas métricas de plástico, com projeções de chegar a 1,1 bilhão até 2050. Os resíduos ficam na atmosfera e descem para os oceanos, com implicações importantes para a saúde humana e de animais. Pesquisas recentes sugerem uma associação entre esses produtos e o risco elevado de inflamação pulmonar crônica, câncer colorretal e de pulmão

A preocupação com os microplásticos é relativamente recente, por isso, a maioria dos estudos foi realizada em animais ou em linhagens celulares. Segundo os cientistas, provavelmente o que se observou nas pesquisas também se aplica aos humanos, já que estão expostos às mesmas fontes poluentes, comparado às outras espécies. 

Uma revisão de 3 mil artigos científicos foi publicada na revista Environmental Science & Technology por pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Francisco (UCSF). O resultado é alarmante, segundo Nicholas Chartres, primeiro autor do estudo que, agora, está na Universidade de Sydney, na Austrália. "Instamos as agências reguladoras e os líderes políticos a considerarem as crescentes evidências de danos à saúde causados pelos microplásticos, incluindo câncer de cólon e pulmão", afirma.

Decomposição 

Essas microesferas, encontradas em produtos que vão de tintas e pneus a tecidos sintéticos, também são consequência da decomposição de pedaços maiores de plástico. Os pesquisadores da UCSF avaliaram milhares de estudos que investigaram a possível associação dessas partículas com doenças graves. "Para quase todos os resultados, observamos efeitos nocivos consistentes", relata Chartres. "Estamos apenas começando os estudos, mas o que temos até agora sugere que, se continuarmos a ser expostos a longo prazo, há uma grande possibilidade de que o câncer se manifeste."

Outro estudo recente foi publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature, e encontrou microplásticos em tecidos tumorais de pacientes com câncer colorretal. Os cientistas, do Tianjin Union Medical Center, na China, avaliaram amostras de 10 pessoas com técnicas avançadas, como microscopia eletrônica e LDIR, um novo tipo de laser. Eles identificaram diversas esferas: PVC (o mais comum), polietileno, polietileno tereftalato (os chamados PETs), polipropileno e poliestireno.

Segundo Marcelo Uchôa, oncologista do Hospital Anchieta Taguatinga e Ceilândia, os microplásticos podem entrar no organismo por diversas vias, incluindo ingestão de alimentos e água contaminadas, inalação de partículas presentes no ar e contato dérmico. Ele explica que os mecanismos que relacionam os MPs ao câncer não foram elucidados, mas há algumas pistas.

"Estudos indicam que podem contribuir para o desenvolvimento de cânceres como pulmão, fígado, mama e próstata. Os mecanismos incluem inflamação crônica, estresse oxidativo e desregulação endócrina", diz. "As pesquisas também sugerem que microplásticos podem danificar a camada mucosa do cólon, aumentando a vulnerabilidade a agentes cancerígenos e potencialmente contribuindo para o aumento de câncer colorretal."

Jovens

Para Ana Carolina Nobre, oncologista clínica da Oncologia D'Or, a poluição por microplástico poderia, inclusive, estar associada ao aumento dos casos de câncer colorretal em pessoas com menos de 50 anos. "Embora a gente ainda não tenha dado epidemiológico que associa diretamente o microplástico com o câncer colorretal, temos estudos em modelos animais e em linhagem celular que mostraram alguma relação", justifica. 

Segundo a médica, o microplástico é facilmente absorvido pelas células do intestino, e alguns estudos mostram que, na presença de células malignas, há risco de elas migrarem para outros órgãos. "Temos vários fatores que podem estar atuando no aumento da incidência do câncer colorretal em pessoas jovens, como alimentação, uso de antibióticos", pondera. "A associação com o microplástico deve ser, sim, investigada, para termos uma noção maior desse impacto."

Embora os MPs estejam presentes basicamente em todos os ambientes, Ana Carolina Nobre destaca que a redução do consumo do plástico descartável pode ajudar a minimizar possíveis riscos. "Além disso, evitar aquecer alimentos em plástico, ainda mais os que não foram feitos para serem aquecidos; escolher alimentos frescos, evitar os embalados", sugere. "Mas o mais importante é a educação, tanto sobre o nosso uso, quanto o das empresas. É preciso regular o produto plástico, com foco na degradação e redução de tipos tóxicos."

Três perguntas para Vinicius Duval, médico patologista do DB Patologia.

Perguntas para Vinicius Duval, médico patologista do DB Patologia.

Quais são as principais vias pelas quais os microplásticos acabam no organismo?

Estudos já identificaram essas partículas tanto nas vias mais evidentes — a aérea e a digestiva — quanto em outras que, à primeira vista, não associamos à absorção de substâncias nocivas, como a pele, o fígado, o cólon, os tecidos venosos e até mesmo o leite materno. Em outras palavras, sem percebermos, estamos expondo não apenas a nós mesmos, mas também aos nossos filhos, a esses contaminantes presentes em nosso cotidiano e disseminados por todo o planeta. Quando inalados ou ingeridos, os microplásticos se acumulam no organismo e podem desencadear processos inflamatórios, comprometer a eficiência do sistema imunológico e contribuir para o surgimento de doenças respiratórias, cardiovasculares e distúrbios hormonais – especialmente porque podem atuar como vetores de substâncias químicas perigosas, ampliando sua toxicidade.


O que se sabe até agora sobre a associação de microplásticos e risco de câncer? 

Pesquisas laboratoriais demonstraram que a exposição a micro e a nanopartículas pode induzir o desenvolvimento de câncer em diversos animais, como o peixe-zebra e camundongos — evidência preocupante, uma vez que esses poluentes estão presentes não apenas no ar e na água, o que já é alarmante, mas também nos frutos-do-mar que consumimos. Embora os mecanismos pelos quais essas partículas podem desencadear a carcinogênese ainda não estejam totalmente esclarecidos, o que se observa é que elas interagem com tecidos essenciais, como as células que revestem os ovários, ao alterar a resposta inflamatória e reduzir a capacidade das células de se defenderem contra o estresse oxidativo. Além disso, esses contaminantes podem absorver íons de metais tóxicos (como mercúrio, ferro, cobre e zinco) e mimetizar hormônios — tireoidianos, estrogênio e andrógenos —, interferindo no delicado equilíbrio hormonal e, consequentemente, na proliferação celular, fator determinante para o surgimento de tumores em tecidos especialmente sensíveis, como o da mama ou da próstata.

Os casos de câncer em pessoas com menos de 50 anos estão aumentando. A poluição por microplástico deveria ser investigada entre as possíveis causas desse aumento?

Observa-se que os casos de câncer — como mama e tumores colorretais — em pessoas com menos de 50 anos estão aumentando. Essa mudança no perfil epidemiológico em espaço curto de tempo sugere que fatores ambientais, como a poluição por microplásticos, possam estar contribuindo para essa tendência. Quando alterações significativas ocorrem em doenças que afetam grupos etários específicos, torna-se fundamental ampliar nossa investigação para identificar todos os elementos envolvidos. Nesse contexto, a prevenção desponta como a estratégia mais viável, não apenas para evitar os estágios iniciais dessas doenças, mas também para minimizar seus impactos nos sistemas de saúde e na sociedade como um todo. (PO)

 

Evidências científicas

QUADRO PARA SER MONTADO NA DIAGRAMAÇÃO 

O que os estudos já descobriram até agora:

1) Já foram detectados microplásticos em tecidos humanos: 

    • Sangue

    • Pulmões

    • Placenta

    • Fezes

    • Fígado e rins (em autópsias)


2) Ligação com doenças:

  • Um estudo publicado em 2022 mostrou que pacientes com doenças inflamatórias intestinais tinham mais microplásticos nas fezes do que pessoas saudáveis.

  • Outros estudos levantaram hipóteses sobre maior risco de doenças crônicas, incluindo câncer, mas sem prova causal direta ainda.

3) Os microplásticos podem:

  • Transportar substâncias químicas tóxicas (como metais pesados e aditivos plásticos)

  •  Atuar como corpos estranhos, causando resposta imune exagerada

  •  Ser absorvidos por células e alterar o ciclo celular, favorecendo tumores

     

4) Linhas de pesquisa e conclusões:

Fonte

Evidência

Risco potencial

Estudos com células

Danos ao DNA, inflamação

Início da carcinogênese

Estudos com animais

Alterações intestinais, hepáticas e genéticas

Promoção de câncer

Estudos com humanos

MPs em tecidos e fluídos corporais

Ligação com inflamação e doença

Mecanismos

Estresse oxidativo, genotoxicidade

Mutação e crescimento tumoral

 

Tecnologia de remoção é insuficiente

Uma revisão da literatura científica realizada na Universidade do Texas, em Arlington, nos Estados Unidos, indicou que, embora a maioria das estações de tratamento de águas residuais reduza significativamente as cargas de microplásticos (MPs), a remoção completa permanece inatingível com as tecnologias atuais.

"Como resultado, muitos microplásticos estão sendo reintroduzidos no meio ambiente, provavelmente transportando outros poluentes residuais nocivos nas águas residuais, como os produtos químicos bisfenóis, PFAS e antibióticos", alertou, em nota, Un-Jung Kim, autora senior do artigo, publicado na revista Science of the Total Environment. 

"Esses microplásticos e poluentes orgânicos podem existirão ao nível de traços, mas podemos ser expostos a eles por meio de ações simples como beber água, lavar roupa ou regar plantas, levando a potenciais impactos graves a longo prazo na saúde humana, como doenças cardiovasculares e câncer", lembra Kim. De acordo com o estudo, um dos principais desafios na detecção e mitigação de microplásticos é a falta de métodos de teste padronizados. A pesquisadora defende, por isso, uma abordagem unificada para definir o tamanho da partícula que se qualifica como MP. 

O estudo constatou que a eficácia dos tratamentos varia dependendo da tecnologia que as comunidades usam e de como os microplásticos são medidos para calcular as taxas de remoção. A equipe também enfatiza a necessidade de maior conscientização pública sobre os MPs para ajudar os consumidores a fazer escolhas mais sustentáveis. "Os consumidores já podem fazer a diferença escolhendo comprar roupas e tecidos com menos plástico sempre que possível, sabendo que as microfibras são os microplásticos mais comuns continuamente liberados nas águas residuais", acrescentou Kim. (PO)

postado em 25/05/2025 06:00
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