Diversidade Biológica

COP16 é retomada em meio à ausência de consenso e esvaziamento dos debates

Depois do fiasco em Cali, na Colômbia, quando a plenária foi esvaziada sem um texto final, delegações de 154 países vão a Roma para a segunda rodada da conferência sobre biodiversidade, com o desafio de chegar a uma decisão sobre o mecanismo de financiamento

Prédio da Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, na capital italiana, onde a conferência foi retomada: fundo tranca a pauta -  (crédito: AFP)
Prédio da Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, na capital italiana, onde a conferência foi retomada: fundo tranca a pauta - (crédito: AFP)

As discussões sobre um fundo global para a biodiversidade voltaram à mesa de negociações de 154 países, que retomaram a 16ª Conferência da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP16/CDB) em Roma, na Itália. O evento bienal deveria ter ocorrido em novembro de 2024 em Cali, na Colômbia. Porém, a falta de consenso sobre quem pagará a conta esvaziou o debate, que deve ser concluído até quinta-feira. 

    

Com menos participantes e poucos ministros — o Brasil é representado pela embaixadora Maria Angélica Ikeda, chefe da delegação —, a segunda etapa da conferência precisa destravar o ime entre países ricos e nações em desenvolvimento, para não repetir o fiasco do ano ado. No centro das discussões, estão US$ 200 bilhões anuais (R$ 1,1 trilhão) que devem ser depositados até 2030 para a preservação da biodiversidade. O objetivo é cumprir a meta estabelecida em 2022 no acordo e Kunming-Montreal, de proteger 30% da terra e do mar nos próximos cinco anos. 

Hoje, apenas 17% e 8% da Terra e dos oceanos, respectivamente, estão resguardados, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, 75% da superfície terrestre já foi alterada pela humanidade — urbanizada ou convertida em plantações —, e 25% das espécies para as quais existem dados científicos sólidos estão ameaçadas de extinção.

Desacordo

Assim como nas conferências climáticas, diversos pontos relacionados ao financiamento são motivo de desacordo entre as delegações. No fundo de US$ 200 bilhões anuais estão incluídos US$ 30 bilhões (R$ 171,7 bilhões) que devem ser transferidos dos países ricos para os em desenvolvimento. O valor é o dobro do reado em 2022 (US$ 15 bilhões, ou R$ 85 bilhões).

Um dos pontos de desacordo é que, os países em desenvolvimento, impulsionado pelo bloco dos africanos, querem a criação de um novo fundo para os US$ 200 bilhões e reforçaram a exigência ontem. Porém, argumentando que isso fragmentaria os recursos, a União Europeia, o Japão e o Canadá (os Estados Unidos não são signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica) defendem que não há necessidade de outro mecanismo financeiro. 

"A COP16.2 tem um escopo reduzido, mas o principal objetivo é justamente definir a estratégia de mobilização de recursos e o futuro mecanismo financeiro para apoiar a implementação do Fundo Mundial para a Biodiversidade (GBF)", destaca Michel Santos, gerente de políticas públicas do WWF-Brasil. "Há uma oportunidade real de destravar acordos, principalmente se houver envolvimento político de alto nível e comprometimento dos países em garantir recursos adequados, como os US$ 20 bilhões anuais prometidos para países em desenvolvimento até 2025."

Na sexta-feira, a presidência da COP16 publicou um texto que tenta agradar, todos os blocos. O documento fala em uma reforma dos fluxos financeiros destinados à biodiversidade, "melhorando o desempenho" do atual Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF). 

Ontem, a delegação brasileira falou em nome do Brics, que representam 45% da população mundial e 29% da diversidade de espécies, e deixou claro que os países insistem na criação do GBF. "Para nós, o objetivo central é trabalhar em direção a uma solução financeira abrangente para fechar a lacuna de financiamento da biodiversidade e implementar totalmente o Artigo 21 da Convenção (sobre o mecanismo de financiamento). Para sua implementação, buscamos estabelecer ou designar um mecanismo financeiro que seja baseado nas responsabilidades das Partes dos países desenvolvidos e que esteja inequivocamente sob a autoridade da COP para fins desta Convenção."

Clima

Para Michel Santos, a COP16 precisa discutir ações concretas que levem em consideração a relação entre a diversidade de espécies e as mudanças climáticas. "A relação entre biodiversidade e clima é inegável e precisa ser refletida nas decisões da COP16.2. O desafio é transformar esse reconhecimento em compromissos concretos, especialmente na mobilização de recursos e na criação de políticas integradas", diz. 

Segundo Santos, o Brasil, que sediará a COP30, do clima, em novembro, "tem uma oportunidade única de alavancar essa discussão também na UNFCCC, promovendo maior sinergia entre as convenções e reforçando o papel da biodiversidade na resposta à crise climática", diz, referindo-se à Convenção Quadro das Nações Unidas para a Biodiversidade. "Se essa articulação for bem conduzida, pode ajudar a destravar negociações tanto sobre financiamento quanto sobre implementação de soluções baseadas na natureza".

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, discursou ontem na reabertura da COP16 e pediu às delegações que cheguem a um acordo. "Com o mundo se aproximando de pontos de inflexão perigosos, é imperativo que vocês cheguem a um acordo aqui em Roma sobre como os compromissos financeiros da biodiversidade serão honrados e como o progresso em direção à implementação do Quadro será monitorado. O sucesso exige responsabilidade. E a ação exige financiamento", disse.

O que está em jogo

» 1 - Contribuição: países devem concordar com um plano sobre como destinar US$ 200 bilhões por ano até 2030 para a biodiversidade.

 

» 2 - istração do fundo: a União Europeia quer que o fundo seja istrado pelo Banco Mundial. Os países em desenvolvimento, liderados pelo Brasil, querem a criação de um novo mecanismo.

 

» 3 - Trabalho conjunto: ministros da Fazenda e do meio ambiente terão de trabalhar em conjunto caso queiram atingir a meta dos US$ 200 bilhões, e não apenas a cada dois anos, na ocasião das COPs. 

 

» 4 - Fundo Cali: as empresas que lucram com informações genéticas extraídas da biodiversidade receberam, em Cali, uma conta para depositar recursos. Resta saber se as doações voluntárias prosseguirão. 

 

Três perguntas para Anke Salzmann, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário

 

A falta de quórum que levou à suspensão da COP16 no ano ado, em Cali, reflete pouco compromisso dos países com a agenda da biodiversidade?

A falta de quórum pode, sim, refletir em partes a falta de compromisso de alguns países com a biodiversidade, mas ela também é influenciada por outros fatores. No ano ado, por exemplo, como as discussões levaram muito mais tempo do que foi inicialmente planejado, muitos representantes oficiais já estavam com seus retornos programados e não tiveram possibilidade de estender a sua estadia. Então, é muito importante sempre termos em mente que existe uma série de fatores envolvidos e temos que considerar o contexto político, econômico e social de cada país para entender quais são as verdadeiras razões por trás dessa falta de quórum.

Existe alguma chance de avanço na pauta sobre o financiamento da biodiversidade?

O financiamento é o principal ponto de pauta da continuidade dessa COP, então esperamos, sim, avanços nessa discussão, mas ainda temos dois importantes pontos que têm travado a discussão. O primeiro diz respeito à capitalização desse fundo, com a mobilização esperada de pelo menos US$ 200 bilhões por ano a partir do fim da década. Em Cali, por exemplo, os países desenvolvidos só entregaram US$ 500 milhões em doações, o que ainda está muito distante da demanda que existe para a conservação da biodiversidade ao nível global, onde se espera, ao menos até 2025, um total de US$ 20 bilhões. Então não temos garantia de que os países desenvolvidos irão aportar mais recursos neste fundo. Outro ponto que também tem travado as discussões é justamente a governança desse fundo. Os países desenvolvidos, insistem que seja mantido dentro do contexto do Global Environment Facility, o GEF, que hoje é istrado pelo Banco Mundial. Os países em desenvolvimento defendem que devemos seguir com uma nova estruturação, uma nova ferramenta que esteja diretamente associada à Convenção da Diversidade Biológica.

A associação entre mudanças climáticas e biodiversidade pode impulsionar um texto mais ambicioso?

Não há dúvidas de que a biodiversidade e as mudanças climáticas estão intimamente associadas. Nós sabemos hoje, por exemplo, que ao trabalharmos com ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas por meio de soluções baseadas na natureza, também entregamos grandes ganhos para a biodiversidade. Então é cada vez mais importante que esses dois assuntos comecem a ser tratados em um mesmo fórum, porque, além de otimizar o tempo, isso também otimiza recursos, como os financeiros. Então, essa discussão precisa, sim, acontecer nas duas convenções das partes, tanto na de clima como na de biodiversidade, para que no futuro nós tenhamos um único fórum de discussão.

 

 

O que está em jogo 

» 1 - Contribuição: países devem concordar com um plano sobre como destinar US$ 200 bilhões por ano até 2030 para a biodiversidade.

» 2 - istração do fundo: a União Europeia quer que o fundo seja istrado pelo Banco Mundial. Os países em desenvolvimento, liderados pelo Brasil, querem a criação de um novo mecanismo.

» 3 - Trabalho conjunto: ministros da Fazenda e do meio ambiente terão de trabalhar em conjunto caso queiram atingir a meta dos US$ 200 bilhões, e não apenas a cada dois anos, na ocasião das COPs. 

» 4 - Fundo Cali: as empresas que lucram com informações genéticas extraídas da biodiversidade receberam, em Cali, uma conta para depositar recursos. Resta saber se as doações voluntárias prosseguirão. 

Três perguntas para Anke Salzmann, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário

A falta de quórum que levou à suspensão da COP16 no ano ado, em Cali, reflete pouco compromisso dos países com a agenda da biodiversidade?

A falta de quórum pode, sim, refletir em partes a falta de compromisso de alguns países com a biodiversidade, mas ela também é influenciada por outros fatores. No ano ado, por exemplo, como as discussões levaram muito mais tempo do que foi inicialmente planejado, muitos representantes oficiais já estavam com seus retornos programados e não tiveram possibilidade de estender a sua estadia. Então, é muito importante sempre termos em mente que existe uma série de fatores envolvidos e temos que considerar o contexto político, econômico e social de cada país para entender quais são as verdadeiras razões por trás dessa falta de quórum.

Existe alguma chance de avanço na pauta sobre o financiamento da biodiversidade?

O financiamento é o principal ponto de pauta da continuidade dessa COP, então esperamos, sim, avanços nessa discussão, mas ainda temos dois importantes pontos que têm travado a discussão. O primeiro diz respeito à capitalização desse fundo, com a mobilização esperada de pelo menos US$ 200 bilhões por ano a partir do fim da década. Em Cali, por exemplo, os países desenvolvidos só entregaram US$ 500 milhões em doações, o que ainda está muito distante da demanda que existe para a conservação da biodiversidade ao nível global, onde se espera, ao menos até 2025, um total de US$ 20 bilhões. Então não temos garantia de que os países desenvolvidos irão aportar mais recursos neste fundo. Outro ponto que também tem travado as discussões é justamente a governança desse fundo. Os países desenvolvidos, insistem que seja mantido dentro do contexto do Global Environment Facility, o GEF, que hoje é istrado pelo Banco Mundial. Os países em desenvolvimento defendem que devemos seguir com uma nova estruturação, uma nova ferramenta que esteja diretamente associada à Convenção da Diversidade Biológica.

A associação entre mudanças climáticas e biodiversidade pode impulsionar um texto mais ambicioso?

Não há dúvidas de que a biodiversidade e as mudanças climáticas estão intimamente associadas. Nós sabemos hoje, por exemplo, que ao trabalharmos com ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas por meio de soluções baseadas na natureza, também entregamos grandes ganhos para a biodiversidade. Então é cada vez mais importante que esses dois assuntos comecem a ser tratados em um mesmo fórum, porque, além de otimizar o tempo, isso também otimiza recursos, como os financeiros. Então, essa discussão precisa, sim, acontecer nas duas convenções das partes, tanto na de clima como na de biodiversidade, para que no futuro nós tenhamos um único fórum de discussão. (PO)


 

Paloma Oliveto
postado em 26/02/2025 06:01
x