Mobilidade urbana

Motociclistas aguardam a Faixa Azul, mas projeto ainda está em análise

Criação de um corredor exclusivo para motos anima condutores do DF. Projeto depende do aval da Secretaria Nacional de Trânsito, que diz esperar o envio de documentos pelo Detran. Especialistas questionam a eficácia da medida

A Faixa Azul é uma sinalização horizontal, exclusiva para motos, que fica entre as faixas 1 e 2 das vias (mais à direita) -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
A Faixa Azul é uma sinalização horizontal, exclusiva para motos, que fica entre as faixas 1 e 2 das vias (mais à direita) - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

"Toda vez que pego o capecete, meu coração aperta. Penso no meu filho de 2 anos e tenho medo de não voltar vivo para casa." O desabafo é de Thiago Mariano, morador de Ceilândia, que trabalha como vigilante no Plano Piloto e, há oito anos, usa a motocicleta como meio de transporte.

 30/05/2025 - Ed Alves CB/DA Press. Cidades. Nova faixa (Azul) para os Motoqueiros - Motociclistas. Na foto, Thiago Mariano.
"Toda vez que eu pego o capecete, meu coração aperta", diz Thiago Mariano (foto: Ed Alves CB/DA Press)

As estatísticas justificam o medo de Thiago. Segundo os dados mais recentes da Gerência de Estatísticas de Trânsito (Gerest), em 2023, foram registrados 69 mortes de condutores de moto. Em 2024, o número saltou para 74. Neste ano, entre janeiro e abril, 27 motociclistas perderam a vida em acidentes de trânsito, superando os 26 casos registrados no mesmo período do ano ado.

Para tentar reduzir os números de acidentes e de mortes, o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran) quer implantar a Faixa Azul em vias da capital. O projeto-piloto, batizado Monumental Azul, será executado nos dois sentidos do Eixo Monumental. Desde setembro do ano ado, a proposta está sob a análise da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), a quem cabe autorizar o teste. 

A Faixa Azul é uma sinalização horizontal, exclusiva para motos, que fica entre as faixas 1 e 2 das vias (mais à direita). O objetivo é organizar o trânsito e reduzir os altos índices de acidentes envolvendo motociclistas. No DF, a fase de testes deve durar dois anos. O primeiro vai avaliar os efeitos da sinalização nos condutores e o segundo, o comportamento no trânsito diante da sinalização. 

Na cidade de São Paulo, que inspriou a iniciativa brasiliense, existem 221,2 km de faixas em 46 vias. A Faixa Azul foi adotada há três anos na capital paulista e, nesse período, as mortes de motociclistas caíram 47,2%, segundo o balanço da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP). De acordo com o gestor de trânsito da Área de Segurança de Tráfego da CET-SP, Júlio Rebelo, a medida foi adotada a partir de experiências internacionais e da análises de resultados na cidade.

"A Faixa Azul é resultado do trabalho de diversas áreas da companhia. As áreas de planejamento e operação contribuiram para aperfeiçoar o projeto com a vivência de quem está na rua, acompanhando o comportamento do trânsito e dos condutores. A Sinalização propôs, na fase final, adequações nas dimensões e nas características da faixa para minimizar riscos", explicou.

A CET-SP investiu R$ 35 milhões nos últimos três anos para colocar a ideia em prática. A construção mais recente foi entregue em 26 de março: 6 km na Avenida do Estado, em ambos os sentidos. O corredor exclusivo beneficia cerca de 500 mil motociclistas diariamente. Para Rebelo, a importância da Faixa Azul está se reflete na redução da gravidade dos acidentes e das mortes.

Otimismo

O corredor exclusivo surge como uma resposta à crescente frota de motocicletas e ao aumento do número de acidentes na capital. De acordo com o Detran, o DF conta, hoje, com 282.829 motocicletas, crescimento de 7% em relação a 2023, quando eram 264.376.

Nas ruas, a proposta da Faixa Azul recebeu apoio de quem mais conhece os perigos do asfalto. Marcelo Vieira, 25 anos, militar, morador de Valparaíso (GO), usa a moto todos os dias para locomoção. Ele apoia o projeto e relatou ter sofrido sete acidentes. O mais grave foi na BR-040. "Esse corredor exclusivo será muito bem-vindo e mostra que as pessoas se importam com o motociclista", disse.

Marcelo comentou que, embora alguns motociclistas sejam imprudentes, muitos acidentes ocorrem por desatenção dos motoristas. "No meu pior acidente, o carro estava parado no semáforo e virou de uma vez, sem sinalizar. Estava a 10 metros e a 60 km/h. Não tive tempo de reação e bati. Voei por cima do carro, mas, felizmente, não quebrei nada", detalhou.

 

 29/05/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Projeto para a criação da faixa azul faixa exclusiva para Motociclistas. Marcelo Vieira
Marcelo Vieira diz que muitos acidentes acontecem por desatenção (foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Pedro Lucas, 21, trabalha como entregador há um ano e já sofreu um acidente de moto, sem gravidade. Ele acredita que a medida pode trazer mais segurança para a categoria, pois o trânsito é especialmente perigoso para quem trabalha sobre duas rodas. "A gente corre muito risco, principalmente porque trabalha com rapidez", ressaltou, acrescentando que a faixa exclusiva será positiva. "A gente não vai ter que disputar espaço com os carros", concluiu.

 30/05/2025 - Ed Alves CB/DA Press. Cidades. Nova faixa (Azul) para os Motoqueiros - Motociclistas. Na foto, Pedro Lucas.
Pedro Lucas acredita que a faixa exclusiva será positiva (foto: Ed Alves CB/DA Press)

O presidente do Sindicato do Motociclista (SindMoto), Luiz Carlos Gárcia, participou dos debates sobre a Faixa Azul, desde a formação do grupo de trabalho — com o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), o Detran e a Secretaria de Mobilidade —, e pede agilidade do Governo do Distrito Federal (GDF).

"Estamos ansiosos. Esse projeto vai organizar o tráfego das motos na cidade, reduzir acidentes, mortes e até gerar economia para o governo", enumerou. Gárcia acredita que o corredor exclusivo pode ajudar na mudança de mentalidade no trânsito. "Os carros vão ar a respeitar essa faixa, como respeitam a de pedestre. É uma questão de cidadania", acrescentou.

Estudos

Segundo o DER-DF, estão em andamento estudos de viabilidade técnica para implantação da Faixa Azul. "Analisamos as condicionantes geométricas, a quantidade de motos, os sinistros envolvendo motocicletas e o tamanho das intervenções em cada rodovia. Ainda não há prazo definido para que o estudo seja finalizado e não podemos afirmar sobre a viabilidade da implementação", explicou.

O Detran-DF aguarda aval da Senatran para dar continuidade ao projeto. A autorização é necessária porque a Faixa Azul não está prevista na legislação, o que exige uma permissão especial, em caráter experimental. "A implantação, mesmo em caráter experimental, só poderá ser iniciada após a manifestação favorável e a devida autorização da secretaria", informou a autarquia.

Em nota, a Senatran afirmou que a solicitação do Detran-DF foi analisada, mas aguarda documentações complementares que devem ser envidas pelo órgão para dar seguimento ao processo. "Ainda não há previsão para a conclusão do estudo, pois o andamento depende do envio dessas informações", comunicou.

Especialistas ouvidos pelo Correio enfatizaram que a Faixa Azul tem pontos positivos, mas são necessárias outras medidas para reduzir as mortes de motociclistas. O professor Carlos Penna Brescianini, pesquisador em mobilidade urbana e ex-coordenador do Metrô-DF, criticou a medida. Para ele, a proposta resolve um problema de forma paliativa, mas não resolve a raiz da questão.

"A ideia de corredores para as motocicletas parece uma organização do trânsito, mas não é uma solução. O crescimento do número de motociclistas se deve a dois fatores principais: péssimos sistemas de transporte público, o que leva à busca por soluções individuais; e o uso da motocicleta para entregas e fretes, como fonte de renda", destacou.

Para Penna, a solução seria fazer mais investimentos em transporte público de qualidade. "Com mais metrôs, veículos leves sobre trilhos, aeromóveis e monotrilhos, as pessoas se sentirão confortáveis e seguras para deixar seus veículos em casa. A quantidade de veículos diminuirá, e os acidentes diminuirão."

Rafael Calabria, também especialista em mobilidade, apresentou pontos positivos e negativos da medida. "O projeto ofereceria mais espaço a motociclistas no trânsito e poderia, se fosse bem fiscalizado, dar um aspecto de organização. Mas os prejuízos são muito maiores. A faixa, ao dar exclusividade à moto, aumenta a velocidade dos condutores. Caso eles se envolvam em um acidente, há chance de ele ser mais grave", avaliou.

Segundo o especialista, a solução está em políticas de acalmamento de tráfego, como travessias elevadas, redução de velocidade, adequação das vias, balizadores, sinalização eficaz e fiscalização intensiva. "Com vias mais seguras e velocidades menores, a fiscalização de trânsito e a educação chegam para complementar esse trabalho", disse Calabria.

Medidas

Segundo o Detran-DF, as principais causas dos acidentes fatais com motociclistas são distração no trânsito, excesso de velocidade e a prática de circular pelos corredores entre veículos. Essas situações, frequentemente associadas à pressa e à imprudência, tornam os motociclistas mais vulneráveis, especialmente em vias de maior fluxo.

O Detran desenvolve diversas ações de caráter educativo e preventivo. Entre as principais iniciativas estão as blitzes educativas direcionadas a motociclistas e as palestras em empresas que atuam com entregadores por aplicativo. A autarquia também implementa o programa Entregadores de App, que mapeia esses profissionais para ações de conscientização nos locais onde trabalham.

Outra frente de atuação é a Operação Sossego, que busca retirar de circulação motos com descarga livre ou sistemas de escapamento irregulares. Além de coibir o barulho excessivo, a operação foca na fiscalização das condições dos veículos e do comportamento dos condutores, reforçando a segurança no trânsito e o cumprimento da legislação.

 

  • De acordo com o Detran, o DF tem, hoje, 282.829 motocicletas, crescimento de 7% em relação a 2023, quando eram 264.376
    De acordo com o Detran, o DF tem, hoje, 282.829 motocicletas, crescimento de 7% em relação a 2023, quando eram 264.376 Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Marcelo Vieira diz que muitos acidentes acontecem por desatenção
    Marcelo Vieira diz que muitos acidentes acontecem por desatenção Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  29/05/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Projeto para a criação da faixa azul faixa exclusiva para Motociclistas.
    29/05/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Projeto para a criação da faixa azul faixa exclusiva para Motociclistas. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  29/05/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Projeto para a criação da faixa azul faixa exclusiva para Motociclistas.
    29/05/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Projeto para a criação da faixa azul faixa exclusiva para Motociclistas. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  29/05/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Projeto para a criação da faixa azul faixa exclusiva para Motociclistas.
    29/05/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Projeto para a criação da faixa azul faixa exclusiva para Motociclistas. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Thiago Mariano tem medo de
    "Toda vez que eu pego o capecete, meu coração aperta", diz Thiago Mariano Foto: Ed Alves CB/DA Press
  • Pedro Lucas acredita que a faixa exclusiva será positiva
    Pedro Lucas acredita que a faixa exclusiva será positiva Foto: Ed Alves CB/DA Press
DC
postado em 04/06/2025 04:00
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