
Basta a campainha do Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre (Hfaus) tocar para veterinários, biólogos e tratadores se mobilizarem. É hora de mais um atendimento. E a triagem começa ainda na recepção, por onde já aram tamanduás, gaviões, jiboias, lobos-guará e até onças. Na maioria das vezes, os atendimentos são uma corrida contra o tempo. "Já recebemos animais que chegaram com pouquíssimas chances de vida e, hoje, estão livres e muito bem em seus ambientes naturais. Isso nos traz uma satisfação imensa", declara o biólogo Thiago Marques de Lima, coordenador do espaço.
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Acolher, tratar e devolver animais silvestres à natureza é o objetivo do Hfaus, em Taguatinga, primeiro espaço do país com essa finalidade. Inaugurado em março de 2024, o local fechou o ano com 2.511 animais acolhidos e tratados. E a demanda só aumenta. Pensado, inicialmente, para atender 60 pacientes por mês, o lugar chegou a receber, no auge da seca do ano ado, 40 bichos por dia.
"Para resgatar um bicho silvestre, ele (o animal), provavelmente, já está bastante debilitado, senão conseguiria fugir. Então, corremos para fazer esse atendimento ser o mais rápido possível", pontua Thiago, que trabalha há mais de dez anos com animais silvestres. No espaço, os pacientes am por uma avaliação completa, que inclui exames laboratoriais, ultrassonografia, raio-X e até tomografia. Em uma das cirurgias mais complexas, a equipe inseriu uma placa metálica na pata de um lobo-guará, hoje, em vida livre.
O Hfaus, vinculado ao Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e gerida pela Sociedade Paulista de Medicina Veterinária (SPMV), é fruto de uma parceria entre o setor público e a iniciativa privada, com forte atuação conjunta de órgãos como o próprio Ibram, o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), o Batalhão da Polícia Militar Ambiental (BPMA) — que realiza a maioria dos resgates —, a Secretaria de Meio Ambiente (Sema-DF) e o Corpo de Bombeiros Militar do DF (CBMDF).
Os perigos da seca
Mamíferos, répteis e, principalmente, aves são os pacientes atendidos no espaço. A média de permanências dos animais atendidos varia de oito a vinte dias — com exceção dos mamíferos que tendem a ficar cerca de dois meses — e altas são dadas semanalmente. "Nessa semana, foram duas altas, mas, na época da seca, eram quase 200", compara o biólogo. O período de estiagem, inclusive, inicia neste mês e deve durar até outubro, acendendo um alerta na equipe, que prevê o aumento da demanda.
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Questionado sobre a alta na quantidade de ocorrência durante os graves incêndios de 2024, Thiago faz uma ressalva importante. "Não necessariamente devido às queimadas o animal vai chegar aqui queimado. Quando pegou fogo no Parque Nacional, recebemos umas 40 ligações do Noroeste, informando que os bichos saíam voando, cruzavam a pista, batiam nas janelas de apartamentos e carros e caíam. Muitos fugiam do fogo e eram atropelados. Outros ficavam sem habitat e sem alimento. Isso sem contar os deslocamentos, que geravam conflitos entre bichos de espécies diferentes", detalha.
De forma geral, as situações que mais levam os animais ao Hfaus são a desidratação, a falta de alimentação e a temperatura, que, muito alta ou muito baixa, pode resultar em consequências graves aos bichos. Há, também, situações de maus-tratos. Um gavião-de-cauda-curta, internado há cerca de duas semanas, chegou ao hospital com uma bala alojada próxima à asa esquerda. Em outro caso, um lobo-guará, desde outubro na unidade, caiu em uma armadilha, possivelmente feita por humanos, e ficou com a pata dilacerada. Mesmo debilitado, o mamífero tem respondido bem à cirurgia.
Solturas e conservação
Quando realizam as solturas, os órgãos ambientais sempre tentam deixar o animal no lugar mais próximo àquele em que ele foi capturado, a fim de não gerar desequilíbrio ambiental. Os bichos que não podem retornar à natureza (como aves que tiveram as asas cortadas) são encaminhados ao Zoológico, ao Cetas ou a centros de conservação.
E, apesar da simpatia e fofura de muitos dos animais, a equipe do Hfaus é orientada a não dar nomes nem fazer carinhos, para que os bichos não se acostumem com essa presença. "A ideia é que, quando eles forem soltos, fiquem o mais longe possível de humanos. Afinal, eles só vieram parar aqui porque se aproximaram de gente", explica Thiago.
"Mesmo assim, tem gente da equipe que chora quando o bicho recebe alta. Ficam com saudade", comenta o coordenador do hospital. Um dos casos mais marcantes envolveu um tamanduá-bandeira, gravemente atacado por cães domésticos. "Conseguíamos ver as vértebras dele e achávamos que a cauda iria cair. Ele ficou quase sete meses internado aqui para se recuperar, mas, na última semana, foi solto. Uma vitória", conta o biólogo.
Outro caso emocionante foi de um lobo-guará reintroduzido na natureza após 3 meses de acompanhamento médico e uma cirurgia. Vítima de um atropelamento, o bicho foi resgatado pelo BPMA e recebeu uma placa ortopédica sob medida em sua pata, que havia sido quebrada. "Ele (lobo-guará) chegou aqui quase morto. Tivemos muito orgulho de conseguir reintroduzi-lo na natureza e temos notícias de que ele está muito bem", compartilha.
Thiago explica que, com o crescimento populacional, há uma pressão nas áreas de conservação, provocando o aumento na quantidade de acidentes. "Para remediar, é preciso investir em agens de fauna, cercamento de rodovias, pontes e, claro, conscientização da população". O Hfaus recebe animais oriundos apenas de resgates feitos por órgãos públicos.
Em caso de avistamento ou resgate de animal silvestre, a orientação é nunca intervir diretamente. O ideal é acionar os órgãos ambientais pelo 190 (BPMA) ou 193 (CBMDF). Fazer a contenção de forma inadequada pode, muitas vezes, agravar a situação do bicho.
Saiba Mais
Raio-X do Hfaus
2.511 animais silvestres tratados em 2024, incluindo 1.554 são aves, 882 mamíferos e 75 répteis.
Os animais mais atendidos são, respectivamente, aves (perequito-de-encontro-amarelo, arara, coruja-do-mato), mamíferos (saruês) e répteis (cágados).
RA's com a maior procedência de pacientes: Jardim Botânico, Sobradinho e Ceilândia.