
Uma força-tarefa entre Polícia Militar e a Justiça do Distrito Federal culminou no resgate de uma mulher, vítima de violência doméstica, que havia sido sequestrada pelo ex-companheiro. O homem tinha antecedentes criminais de agressões e ameaças contra ela. Durante uma audiência virtual com integrantes do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a mulher sinalizou que estava na companhia do agressor dentro de um veículo. Isso acendeu um alerta entre os representantes da Justiça presentes na reunião. A Polícia Militar (PMDF), em atuação conjunta com os órgãos de Justiça, montou um cerco estratégico e conseguiu interceptar o carro na DF-457, sentido QNL/Samambaia, realizando a prisão do homem e salvando a vítima.
A mulher estava em poder do ex-companheiro desde a noite da última segunda-feira (31/3). A audiência de instrução estava marcada para terça-feira às 17h. Pouco antes de iniciar, uma servidora da Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) entrou em contato com a vítima para fazer uma avaliação prévia e verificar se estava tudo bem com ela. Na oportunidade, a mulher informou que estava em poder do agressor e chegou a enviar a localização pelo celular. No entanto, o homem pegou o celular da mão dela e apagou as mensagens e a localização. O agressor chegou a escrever do celular da vítima uma mensagem para a servidora da Defensoria, informando que eles tinham se reconciliado e que era para cancelar a audiência. Mas, a servidora insistiu que ela entrasse na audiência on-line e relatou a situação ao Ministério Público.
"Assim que fui informada da situação, entrei em contato com o Grupo Tático Operacional (GTOP) da Polícia Militar e os policiais foram imediatamente até a residência da vítima, onde falaram com a mãe dela, que informou não ter notícias", relatou a promotora de Justiça de violência doméstica do Recanto das Emas, Jediael Alves Ferreira. "Imediatamente, levantamos o histórico do autor, placa do veículo, entre outras informações", completou.
Percebendo o perigo iminente, os integrantes da reunião gravaram a reunião desde o início, mesmo não sendo uma prática comum. Ao entrar na audiência on-line, a mulher foi questionada se estava tudo bem e respondeu que sim, porém fez um sinal negativo com a cabeça, mostrando que o homem estava presente no carro junto com ela. Ao ser perguntada sobre onde estava, a mulher chegou a falar que estava em Taguatinga, mas foi interrompida pelo agressor, que disse: "Videoconferência, videoconferência. Faz só audiência mesmo. Desculpa aí, promotora", em uma clara tentativa de impedir que a mulher informasse o seu paradeiro às autoridades.
Viaturas da Polícia Militar de diferentes regiões foram acionadas para a busca do veículo. Pelas imagens do celular da mulher, foi possível ver que estavam próximo à Coca-Cola, em Taguatinga Sul. "Fizemos um pedido de interceptação telefônica para rastrear a localização do telefone por GPS e wi-fi e também um requerimento de prisão preventiva. Entre o protocolo dos pedidos e a expedição dos mandados do juiz levou apenas 18 minutos", contou a promotora Jediael Ferreira. Um deslize do agressor, que acabou falando durante a audiência que eles estavam na altura da QNL agilizou o processo de busca. "Sete minutos depois, a polícia chegou ao local", disse a promotora.
Antecedentes
O homem tinha três antecedentes criminais por conta do comportamento abusivo com a ex-companheira: descumprimento de medida protetiva, ameaça e Lei Maria da Penha por agressão. Entre os procedimentos jurídicos para dar encaminhamento às sanções referentes aos crimes cometidos, a defesa dele solicitou a instauração de incidente por insanidade mental, quando a vítima alega problemas mentais como forma de amenizar as penas. Ele tinha sido preso preventivamente, mas foi solto pela Justiça. Na interceptação do carro, ele foi preso em flagrante. A audiência de custódia para determinar se ele permanecerá preso acontecerá nesta quinta-feira (3/4).
A mulher tinha a ferramenta Viva Flor, oferecida pelo GDF, que consiste em um aparelho celular para monitoramento de vítimas de violência doméstica. Por meio deste mecanismo, é possível acionar a polícia caso a mulher esteja em perigo. "Não temos informação se ela estava com o aparelho no momento do sequestro ou não, porque ela foi surpreendida pelo algoz e capturada", comentou a promotora Jediael Ferreira. "O agressor tinha chegado a usar tornozeleira eletrônica, mas apenas durante 90 dias que foi quando o prazo expirou", completou.
O juiz João Ricardo Viana Costa, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar do Recanto das Emas, explicou que o agressor infringiu o artigo 24A da Lei Maria da Penha, que é referente ao descumprimento de medida protetiva. O magistrado foi o responsável pela expedição do mandado de prisão preventiva contra o homem. "Somente por este crime, ele pode receber uma pena de dois a cinco anos de prisão, houve um endurecimento desta pena recentemente por lei do Congresso Nacional", detalhou o juiz. "Eu tinha visto outros próximos de situações de coação e violência para evitar que a mulher deponha em juízo, mas como esta situação foi a primeira vez. O desdobramento também foi algo inédito", afirmou o juiz Viana Costa.
Soluções
"A cultura machista em que vivemos faz com que alguns homens tratem as mulheres como se elas estivessem no mundo apenas para servi-los, o que é um absurdo. Quando tratamos de questões que envolvem violência contra a mulher, apenas e tão somente a atuação repressiva do Estado e a aplicação de penas não são as únicas maneiras de resolver o problema", analisou o advogado criminalista e mestre em direitos humanos Gabriel de Castro. "Temos um problema que a por uma questão educacional que continua não só as escolas, que precisam tratar da violência de gênero na formação dos estudantes, mas estamos tratando da necessidade de educar os homens para que eles entendam que as mulheres são sujeitos de direito e não estão submetidas à sua opressão", acrescentou.
Onde pedir ajuda
Ligue 190: Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Uma viatura é enviada imediatamente até o local. Serviço disponível 24h por dia, todos os dias. Ligação gratuita.
Ligue 197: Polícia Civil do DF (PCDF)
E-mail: [email protected]
WhatsApp: (61) 98626-1197
Site: https://www.pcdf.df.gov.br/servicos/197/violencia-contra-mulher
Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher, canal da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, além de reclamações, sugestões e elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento. A denúncia pode ser feita de forma anônima, 24h por dia, todos os dias. Ligação gratuita.
Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (DEAM): funcionamento 24 horas por dia, todos os dias.
DEAM 1: previne, reprime e investiga os crimes praticados contra a mulher em todo o DF, à exceção de Ceilândia.
Endereço: EQS 204/205, Asa Sul.
Telefones: 3207-6172 / 3207-6195 / 98362-5673
E-mail: [email protected]
DEAM 2: previne, reprime e investiga crimes contra a mulher praticados em Ceilândia.
Endereço: St. M QNM 2, Ceilândia
Telefones: 3207-7391 / 3207-7408 / 3207-7438
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
Whatsapp: (61) 99656-5008 - Canal 24h
Secretaria da Mulher do DF
Subsecretaria de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (Subev)
— Subsecretária: 3330- 3109
— Assessoria: 3330-3118/3105
Subsecretaria de Promoção das Mulheres (SUBPM)
Telefone: 3330-3116 / 3148
Casa da Mulher Brasileira
— Recepção, térreo: 3371-2897
— Acolhimento e Triagem, 1º andar: 3371-2637
— Empreende Mais Mulher, 2° andar: 3373-1120/ 98199-1146
— Coordenação da Casa da Mulher Brasileira, 3º andar: 3371-0212
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
Promotorias nas regiões istrativas do DF
https://www.mpdft.mp.br/portal/index.php/promotorias-de-justica-nas-cidades
Núcleo de Gênero
Endereço: Eixo Monumental, Praça do Buriti, Lote 2, Sala 144, Sede do MPDFT
Telefones: 3343-6086 e 3343-9625— Defensoria Pública do DF
Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Mulher (Nudem)
Endereço: Fórum José Júlio Leal Fagundes, Setor de Múltiplas Atividades Sul, Trecho 3, Lotes 4/6, BL 4 Telefones: (061) 3103-1926 / 3103-1928 / 3103-1765
WhatsApp (61) 999359-0032
E-mail: [email protected]
http://www.defensoria.df.gov.br/nucleos-de-assistencia-juridica/
Núcleos do Pró-vítima
Ceilândia
End.: Shopping Popular de Ceilândia - Espaço na Hora
(61) 9 8314-0620 - Horário: 08:00 às 17:00
Guará
End.: Lúcio Costa QELC Alpendre dos Jovens - Lúcio Costa
(61) 9 8314-0619 - Horário 08:00 às 17:00
Paranoá
End.: Quadra 05, Conjunto 03, Área Especial D - Parque de Obras
(61) 9 8314-0622 - Horário: 08:00 às 17:00
Planaltina
End.: Fórum Desembargador Lúcio Batista Arantes, 1º Andar, Salas 111/114
(61) 9 8314-0611 /3103-2405 - Horário: 12h às 19h
Recanto das Emas
End.: Estação da Cidadania - Céu das Artes, Quadra 113, Área Especial 01
(61) 9 8314- 0613 - Horário: 8h às 17h
Rodoferroviária
End: Estação Rodoferroviária, Ala Norte, Sala 04 - Brasília/DF
(61) 98314-0626 / 2104-4288 / 4289
Itapõa
End.: Praça dos Direitos, Quadra 203 - Del Lago II(61) 9 8314-063208:00 às 17:00
(61) 9 8314-0632 - Horário:08:00 às 17:00
Taguatinga
End.: istração Regional de Taguatinga - Espaço da Mulher - Praça do Relógio
(061) 98314-0631
Site: https://www.sejus.df.gov.br/pro-vitima/
Artigo:
Por mais proteção
Esse caso escancara um problema grave, a fragilidade das medidas protetivas. Apesar disso, o sistema conta com bons profissionais que conseguem fazer conduções eficazes de casos como esse. Infelizmente, os homens ainda continuam se sentindo seguros para cometer atos de violência, pois sabem que dificilmente serão punidos de verdade. A Justiça precisa fiscalizar diariamente as mulheres que estão sob ameaça. Quem deveria ter medo da justiça eram os agressores, mas quem ainda tem medo são as mulheres.
Entre os pontos que precisam ser melhorados para que as mulheres estejam mais seguras está a aplicação de um monitoramento real, como por exemplo tornozeleira eletrônica no agressor enquanto a medida estiver valendo, além do apoio às mulheres em situação de vulnerabilidade que não conseguem sair do ciclo da violência pois dependem financeiramente do agressor também precisa ser reforçado.
As punições também precisam ser imediatas, burocracias precisam ser reduzidas para que os homens que descumprirem medidas sofram imediatamente as sanções devidas e sejam retirados com mais celeridade do convívio da vítima.
Por fim, a solução está na educação. Não adianta só remediar, é preciso agir antes ensinando às crianças que não se tem posse sobre os corpos femininos, que relacionamento não é controle, que ameaça, violência e agressão não são aceitáveis. Enquanto o sistema não for aprimorado e as mulheres não recebam formas específicas e personalizadas de tutela, os agressores vão continuar sem medo das consequências.
Por Larissa Guedes, advogada interseccional especializada em raça e gênero, mestre em Estado, governo e políticas públicas