Mais uma vez, a necessidade de distanciamento social alterou a festa para celebrar o dia de São Jorge. A aglomeração de fiéis, em outros anos, na Paróquia dos Milagres, em Taguatinga Norte, deu lugar a um cenário diferente em 2021. Diante do avanço da pandemia da covid-19, poucas pessoas puderam ficar dentro da igreja, e muitos bancos estavam vazios.
Na entrada, um termômetro media a temperatura dos que chegavam e, desta vez, não houve transmissões virtuais da missa. Em vez do encontro de centenas de fiéis na saída da igreja, os shows com cantores e a confraternização na quermesse, ontem, marmitas de galinhada e feijoada eram vendidas na lanchonete da igreja depois da missa das 9h e antes da celebração das 19h.
“A gente teve de se readaptar”, explica o padre Dario Brasil, que celebrou a missa em homenagem ao santo padroeiro da igreja. “Mudou muito. Tinha festa, cantor, muitas barraquinhas, muito encontro, aquele abraço quando a gente se via na igreja. Tinha muita alegria”, lembra a vendedora Maria Auxiliadora Silva, 52 anos.
Com o surgimento da crise sanitária, no ano ado, que coincidiu com a data da festa, a comemoração já tinha sofrido impactos. Em 2020, o grande evento foi cancelado com a edição do decreto do governador Ibaneis Rocha (MDB) que proibiu o funcionamento de igrejas e templos religiosos. Por isso, no ano ado, a paróquia fechou as portas, e poucos fiéis foram para frente do templo para não deixar a data ar em branco e fazer uma oração. Em 2021, com a flexibilização de restrições, templos religiosos voltaram a funcionar com público reduzido, já que foram considerados essenciais.
“Não dá para negar que tem um baque. A gente celebrava e fazia transmissões ao vivo. Pelo WhatsApp da igreja, as pessoas pediam oração. É também um incentivo para as pessoas não deixarem de acreditar”, ressalta o padre Brasil. O seminarista local João Vieira, 21, tem esperança no futuro. “Uma hora a gente estará com o evento enorme novamente”, diz.
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“A gente não pode parar, tem que continuar homenageando, porque é uma devoção”, explica o seminarista Charbel Gomes, 18 anos. Ele é devoto de São Jorge desde os 8, quando sofreu um traumatismo craniano depois de uma queda. Preocupada, a mãe dele se voltou ao santo guerreiro em busca de apoio e cura para o filho. “Ia ficar de cadeira de rodas. Até hoje, nem os médicos entenderam. Mas fui salvo, e estou aqui”, relata o jovem.
Foi com essa tônica que a vendedora Maria Auxiliadora participou da comemoração, apesar da pandemia. “É gratidão com os pedidos que a gente faz e ele recebe”, diz. Quando as vendas caíram e o dinheiro apertou, foi a São Jorge que ela recorreu. “Eu pedia: meu São Jorge, aparece aqui, agora, com sua espada, para que essas vendas sejam abertas. Imediatamente, uma pessoa me chamava para comprar uma mercadoria. É assim, urgente mesmo. Sempre na hora que você pede, não demora muito tempo. Mas tem de pedir com muita fé, que ele resolve. São Jorge é muito forte”.
Auxiliadora ou a frequentar a paróquia em 2005, e, desde então, não perde uma festa do santo guerreiro. “Mesmo assim (na pandemia), dá para celebrar. O que nos move é a fé, e a fé não costuma falhar”. Em casa, ela sempre acende uma vela e reza um terço para São Jorge. “É muito importante para o dia começar feliz, cheio de bênçãos e de graças”.
O padre Brasil defende que, nesse contexto de crise, se voltar para a espiritualidade é uma ferramenta para atravessar o momento atual. ”Essa pandemia pode despertar a fé adormecida. As pessoas precisam se voltar para Deus”, afirma. “Agora, a gente tem de usar máscara e sente falta de ver o sorriso da pessoa. Mas, em compensação, a gente pode olhar nos olhos. O dragão que está sendo combatido é o da pandemia, e também o da incredulidade”.
História 5fq23
O dia de São Jorge é celebrado em 23 de abril porque, nesta data, no ano 303, o militar foi morto pelos romanos por defender os cristãos. Nascido na Capadócia, na Turquia, São Jorge teria integrado o exército de Roma sob o comando do imperador Diocleciano. Convertido ao cristianismo, ele se opôs à perseguição dos seguidores da religião, e foi morto na Palestina.
O relato religioso dá conta de que ele derrotou o dragão que oprimia o povo. As estátuas do santo representam o triunfo dele sobre o mal. A mitologia em torno de São Jorge ganhou ainda mais força durante as cruzadas, na Idade Média. Por isso, é o padroeiro dos militares.
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São Jorge é uma das principais referências da Igreja Ortodoxa. “É exemplo de fé, força e de coragem. Eu morei na Síria para fazer parte dos meus estudos do seminário. Em todas as igrejas que visitei lá, sempre tem São Jorge”, lembra o padre Brasil. “Vim para essa paróquia por causa da devoção”, complementa.
O santo guerreiro também é um ícone para os católicos romanos e as congregações anglicanas. Por isso, é padroeiro da Inglaterra, de Portugal, da Catalunha e do Rio de Janeiro. Na cidade carioca, a data é feriado local. O culto a São Jorge desembarcou no Brasil junto com os portugueses. Foi por ordem de Dom João I, em 1387, que a imagem do santo ou a integrar as procissões de Corpus Christi em Portugal.
Na umbanda, religião de matriz africana em que se cultuam os orixás, São Jorge é Ogum, guerreiro e senhor da guerra, que se sobrepõe às adversidades. É com a espada que ele afugenta os inimigos e amplia os caminhos dos fiéis. Nessa concepção, é tido como o protetor dos metais. Os filhos de Ogum são reconhecidos por sua energia para lutar pelo que desejam.