Análise

Alexandre Garcia: Pau que bate em Chico

"Já que pegou idosos nos descontos da previdência, o governo agora alega que a censura nas redes é para proteger as criancinhas. Sendo a censura política, os censores de hoje podem ser os censurados de amanhã", afirma o jornalista

O plenário do STF ficou totalmente destruído no 8 de Janeiro... -  (crédito: Divulgação/STF/Felipe Sampaio)
O plenário do STF ficou totalmente destruído no 8 de Janeiro... - (crédito: Divulgação/STF/Felipe Sampaio)

Dois grandes jornais amanheceram domingo com editoriais condenando a censura que o Judiciário fez sobre reportagem de Zero Hora, com o escandaloso contracheque de uma desembargadora, de R$ 662 mil num único mês. O jornal e a jornalista autora foram condenados pelo próprio tribunal a que pertence a desembargadora a uma indenização — coincidência — de outros R$ 600 mil. O teto no serviço público é de pouco mais de R$ 46 mil e a Constituição diz que a istração pública exige legalidade, moralidade, publicidade. A remuneração é, portanto, pública. Ficou parecendo uma vindita, um aviso de não se meter com o Judiciário, como um reflexo de reações do Supremo.

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O Estadão intitulou o editorial de Uma casta acima da lei e concluiu ponderando que um poder sem limites se torna tirania. A Folha de S.Paulo, no título, chamou de Censura do Judiciário e concluiu que ela serve para intimidar veículos de comunicação e seus profissionais. Reações bem tardias contra algo que se repete nos últimos seis anos.

Quando o Judiciário bloqueou contas nas redes e nos bancos, e até cassou aportes de jornalistas que atuam no mundo digital, não me lembro de ter havido editoriais condenando a censura, a intimidação e a justiça em causa própria, como represália por críticas. Como é verdadeiro o que disse o ministro Alexandre de Moraes anos atrás: quem não quiser ser satirizado, criticado, que não se ingresse na vida pública. Assim como o editorial do Estadão afirmou ser constrangedor ter que repetir o óbvio — não há democracia sem imprensa livre —, sinto-me acaciano em ter que repetir o que está na Constituição: “É vedada toda e qualquer censura, de natureza política, ideológica e artística”.

No entanto, estamos em tempo de avanço de uma ideologia que não tem constrangimento em citar a China como modelo de “regulação” da voz digital do povo. O governo já tem um texto de projeto para inserir censura prévia no Marco Civil da Internet, sancionado por Dilma Rousseff em 2015, depois de muito discutido no Congresso. O primeiro o da censura foi dado quando a revista Crusoé foi impedida de circular com capa sobre O amigo do amigo de meu pai, porque implicava um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). O Judiciário é composto de pessoas públicas que não am crítica. Por isso, foi instituído, na prática, o crime de opinião. A consequência é ter uma democracia de fachada, degradada.

O ministro aposentado do Supremo Marco Aurélio Mello chamou isso de “decadência”, que debilita todos os valores democráticos e fortalece o arbítrio. A democracia só se sustenta com liberdade de expressão e respeito à Constituição.

A Advocacia-Geral da União (AGU) acaba de pedir liminar ao Supremo “para obrigar as plataformas a interromperem a disseminação de notícias falsas e impedirem a violência digital”, segundo a agência oficial. O argumento é incrível: o Marco Civil da Internet não pode ser usado como desculpa pela omissão de censura por parte das plataformas. Já que pegou idosos nos descontos da previdência, o governo agora alega que a censura nas redes é para proteger as criancinhas. Sendo a censura política, os censores de hoje podem ser os censurados de amanhã, como constataram tardiamente a Folha e o Estadão. Pois o mesmo pau que bate em Chico também vai bater em Francisco.

postado em 28/05/2025 03:55
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