
Enquanto o Brasil se consolida como um dos maiores exportadores globais de commodities agrícolas, com projeção de produzir 327,6 milhões de toneladas de alimentos em 2025, segundo o IBGE, a realidade da insegurança alimentar persiste e afeta milhões de brasileiros. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2023 revelam que 27,6% dos domicílios brasileiros (21,6 milhões de lares) enfrentavam algum grau de insegurança alimentar. Em termos de indivíduos, esse número chega a 62,7 milhões de pessoas.
A gravidade da situação foi ainda mais evidenciada durante o período pandêmico. Em 2022, um inquérito nacional realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) sobre insegurança alimentar no contexto da covid-19 apontou mais de 33 milhões de brasileiros em situação de fome (IA grave). Para Ana Maria Segall, pesquisadora da Penssan, não trata de escassez na produção. “O problema no Brasil é a capacidade que as famílias em ar os alimentos, capacidade de comprar”, avalia.
Maria Emília Pacheco, ex -presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), observa que o Brasil tem registrado uma expansão de monocultivos, concentração fundiária e degradação ambiental.
“Desde 1988, apenas cinco cultivos no Brasil — soja, milho, cana-de-açúcar, arroz e feijão — ocuparam 70% do total de área agrícola no Brasil”, aponta. A área plantada de soja, por exemplo, aumentou de 17 milhões de hectares em 2003 para 45 milhões em 2023. Essa expansão, segundo a especialista, pode contribuir para uma “monotonia alimentar”, desvalorizando a diversidade de alimentos brasileiros.
Pacheco pontua ainda que o agronegócio recebe mais recursos do que a agricultura familiar, indicando uma priorização de investimentos por parte do governo, com incentivos significativos como crédito subsidiado, isenção fiscal e programas de apoio técnico, em detrimento do apoio à agricultura familiar.
Dados da Embrapa revelam que a agricultura familiar ocupa 80,9 milhões de hectares (23% da área total dos estabelecimentos agropecuários) e corresponde a 77% dos estabelecimentos agrícolas do país. Além disso, emprega mais de 10 milhões de pessoas (67% do total de ocupados na agropecuária), e gera renda para 40% da população economicamente ativa.
A fome no Brasil, conforme as especialistas, é um problema de injustiça social. “Há uma população mais exposta à fome do que outras”, afirma a engenheira agrônoma Fran Paula, conectando a questão da insegurança alimentar a fatores como geração de renda, o à educação e qualidade de vida.
Ana Maria Segall, da rede Penssan, destaca que a principal medida que reduz a insegurança alimentar é o aumento da renda. “Estudos mostram que o aumento real do salário mínimo tem uma capacidade de reduzir a insegurança alimentar maior do que os programas sociais”, aponta.
*Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de SouzaSaiba Mais