INVESTIGAÇÃO

Caso da torta envenenada: padeiro pretende processar dono da padaria

Dono da padaria em Belo Horizonte acusa funcionário temporário, mas padeiro nega e promete acionar a Justiça

Vigilância Sanitária encontrou irregularidades relacionadas a higiene e estrutura de padaria em que há suspeita de intoxicação de três pessoas -  (crédito: Alexandre Guzanche / EM / D.A Press)
Vigilância Sanitária encontrou irregularidades relacionadas a higiene e estrutura de padaria em que há suspeita de intoxicação de três pessoas - (crédito: Alexandre Guzanche / EM / D.A Press)

Acusado de ter envenenado uma torta de frango que deixou três pessoas em estado grave, o padeiro Ronaldo de Souza Abreu, de 55 anos, vai acionar judicialmente o proprietário do estabelecimento. A informação foi confirmada ao Estado de Minas pela esposa de Ronaldo, Ruth Lazarini, de 43, na manhã desta quinta-feira (24/4).

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Em entrevista à Folha de S. Paulo nessa quarta-feira (23), o proprietário do estabelecimento, Fábio Silva, acusou o funcionário temporário de envenenar o salgado, que foi ingerido por um casal de 23 e 24 anos e uma mulher de 75 anos. À reportagem do veículo paulista, ele disse que Ronaldo teria confidenciado a colegas estar enfrentando problemas conjugais, e a partir daí concluiu que ele pretendia matar a esposa.

Segundo o proprietário da padaria, Ronaldo teria levado para casa a mesma torta vendida no balcão na segunda-feira (21/4) e, por isso, teria confundido os produtos, deixando a versão supostamente envenenada à venda para o público. Na entrevista, ele chega a dizer ainda que se soubesse dos problemas conjugais do casal teria “mandado esse cara embora na hora”.

"A bomba [das possíveis contaminações] veio à tarde, e à noite eu juntei as peças. Ele ia matar a mulher envenenada e acabou colocando três pessoas no hospital e eu ando por essa situação, por esse pesadelo", afirmou Silva.

Apesar da acusação grave, Silva não apresentou qualquer prova ou detalhe sobre o teor e gravidade supostos conflitos conjugais de Ronaldo. A declaração também não consta no boletim de ocorrência registrado pela Polícia Militar às 18h40 de quarta. Caso a acusação tenha sido feita à polícia e seja falsa, o dono da padaria pode responder por falso testemunho, crime com pena de até três anos de prisão.

A Polícia Civil, que assumiu as investigações, foi procurada pelo Estado de Minas para confirmar se a declaração foi dada formalmente no depoimento, mas se limitou a dizer que aguarda a finalização de laudos periciais. "Conforme já informado, novas informações serão divulgadas assim que possível, respeitando os trâmites legais e o sigilo necessário à elucidação do caso", informou por meio de nota.

As circunstâncias da contaminação ainda estão sendo apuradas. O salgado havia sido preparado no sábado (19/4), e uma análise preliminar sugere intoxicação por substâncias tóxicas, como carbamato, organofosforado ou toxina botulínica. Um inquérito foi aberto e novas perícias devem esclarecer se houve envenenamento intencional ou falha grave nas condições sanitárias do estabelecimento.

Padeiro denuncia más condições

Ronaldo de Souza Abreu, que foi ouvido na Central de Flagrantes 4 nessa quarta e liberado em seguida, trabalhava havia apenas seis dias na padaria. Em sua versão, ele negou as acusações e denunciou a precariedade das condições de higiene na padaria. Segundo ele, os alimentos no estabelecimento eram mal armazenados, o que poderia ter causado uma eventual contaminação cruzada.

Ao Estado de Minas, a esposa do padeiro, Ruth Lazarini, confirmou que o marido levou a mesma torta de frango produzida na padaria para a família e que ninguém ou mal ou teve qualquer reação adversa. O produto também foi entregue à polícia para perícia. “Meu marido está há mais de 40 anos nessa profissão e isso nunca aconteceu. Eles estão fazendo uma acusação falsa contra ele”, diz.

Ela também detalhou as falhas sanitárias, que, segundo seu marido, eram rotina no estabelecimento. “A higienização da padaria, pelo que meu marido me contava, não era de boa qualidade não. Eles mantinham muito os alimentos jogados e não tinham aquele cuidado com os alimentos que precisavam ter. As comidas ficam todas juntas e abertas dentro do congelador”, detalha.

Indignado com a acusação feita publicamente pelo proprietário da padaria, o casal agora pretende processá-lo por calúnia. Ruth contou que ficou surpresa ao saber, pela imprensa, da alegação de que o marido teria tentado envenená-la. “Ele [o dono] em nenhum momento tentou falar com a gente. Nem telefone do Ronaldo ele tem”, afirmou.

O próprio dono do estabelecimento contou à Polícia Militar que não tinha qualquer informação de contato ou endereço do funcionário. Disse ainda que os pagamentos foram feitos em dinheiro e que não havia imagens do circuito interno de segurança porque por um incêndio recente danificou as câmeras.

Na terça-feira (23/4), um dia após a internação das vítimas, a Vigilância Sanitária interditou a Padaria Natália. Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, o estabelecimento não possuía alvará sanitário nem sequer estava cadastrado no sistema municipal para iniciar o processo de regularização. A inspeção revelou ainda ainda problemas de higiene e estrutura. Apesar disso, o alvará de localização e funcionamento do negócio está regular, segundo a Secretaria Municipal de Política Urbana.

Torta envenenada

O caso que motivou a interdição da padaria começou na segunda-feira (21/4), quando três pessoas da mesma família compraram uma torta de frango e empadas no estabelecimento, localizado no Bairro Serrano, na Região da Pampulha. Na madrugada do dia seguinte, todas foram internadas com sintomas graves de intoxicação alimentar.

As vítimas são Cleuza Maria de Jesus, de 78 anos, hospitalizada em estado gravíssimo no Hospital Med Center, em Venda Nova, e o casal Fernanda Isabella de Morais Nogueira, de 23, e José Vitor Carrillo Reis, de 24, internados entubados na UTI do Hospital Municipal Monsenhor Flávio Donato, em Sete Lagoas, na Região Central de Minas.

De acordo com o boletim de ocorrência, o casal estava em visita à idosa quando comprou os salgados. Horas depois, perceberam que a torta estava estragada e chegaram a retornar à padaria para devolver o produto. Já em Sete Lagoas, começaram a ar mal e procuraram atendimento médico, sendo imediatamente internados. A idosa só apresentou os primeiros sintomas na manhã do dia seguinte. Ela teve uma parada respiratória e precisou ser reanimada pelo filho antes de ser levada a um hospital particular na capital.

Comunicada sobre o caso, a Polícia Civil de Minas Gerais isolou o local, acionou a perícia técnica e a vigilância sanitária, e conduziu o dono da padaria para prestar depoimento. Amostras dos alimentos foram recolhidas e encaminhadas para análise.

Embora os exames laboratoriais ainda não tenham confirmado a origem da contaminação, médicos que acompanham os pacientes afirmam que os sintomas são compatíveis com intoxicação por carbamato, organofosforado ou toxina botulínica. Diante do quadro clínico, a Secretaria de Saúde de Sete Lagoas ou a tratar o caso como possível botulismo. Os pacientes receberam soro antitoxina botulínica ainda no dia da internação.

(Com informações de Clara Mariz)

SP
BF
postado em 24/04/2025 14:43 / atualizado em 24/04/2025 14:43
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